Não é mais surpresa para ninguém o fato de que a China se tornou uma grande força econômica, social e geopolítica. Em apenas três décadas, a China emergiu da 17ª posição, em termos do PIB global, para a segunda posição, atrás somente dos EUA. O que ainda se debate são os determinantes desse impressionante sucesso em crescimento econômico.
Alguns fatos, no entanto, são incontroversos. No final dos anos 1970, a China promoveu uma grande reforma e abertura econômica. Carente de reservas em moeda estrangeira, o país viu seu setor industrial manufatureiro crescer e começar a importar e a processar partes e componentes que estavam sendo terceirizados por corporações estrangeiras. Seus produtos elaborados finais, com valor adicionado oriundo de suas empresas, foram vendidos nos mercados internacionais.
O comércio internacional possibilitado permitiu que a China alavancasse sua vantagem comparativa em mão de obra abundante e de baixa qualificação. Um mecanismo virtuoso de retroalimentação – importação de produtos intermediários para processar e exportar – foi estabelecido, e isso permitiu que as corporações chinesas acumulassem mais reservas.
Essa estratégia de “desenvolvimento baseado em exportação” passou a ser chamada de “grande circulação internacional” (*). Em 1981 as exportações e importações chinesas totalizaram somente US$ 22,5 bilhões e US$ 21,7 bilhões, respectivamente; em 2013, a balança do comércio exterior da China já tinha atingido algo como US$ 4,2 trilhões, tornando-a a líder no comércio internacional.
No entanto, estratégias de promoção de exportação podem se tornar uma auto-negação quando uma economia ultrapassa um certo ponto. Depois de 40 anos de expansão sob o modelo de grande circulação internacional, a China não é mais uma pequena economia, e o impacto global de seu lado exportador não é mais negligenciável. Desde a virada do século o preço de quaisquer produtos que o país compra tendeu a subir, enquanto qualquer coisa que produzia caiu em preço (*).
Dois fatores adicionais agravaram a situação. A implacável orientação à exportação provocou (justificadamente ou não) severas respostas protecionistas dos países importadores. Os persistentes excedentes no comércio e na conta-capital se transformaram em persistente acumulação de reservas estrangeiras, que atingiram US$ 3 trilhões em 2014. Além disso, apesar do fato de que os ativos estrangeiros líquidos da China representarem mais de US$ 2 trilhões, ela incorreu em déficits de investimento-renda por mais de uma década, sugerindo que há alguma coisa seriamente errada com a alocação de recursos intertemporal e além das fronteiras (*).
O governo chinês, por seu turno, era conhecedor de que o sucesso da “grande circulação internacional” havia criado novos problemas. No 11° Plano de Cinco Anos (publicado em 2006) foi reconhecido que “o crescimento da China deveria ser baseado na demanda doméstica, especialmente demanda de consumo. Os motores de crescimento econômico deveriam mudar de investimento e exportação para um de balanceado crescimento no consumo e no investimento, bem como um de balanceado crescimento da demanda doméstica e demanda externa”.
Entretanto, esta mudança não representa um negligenciamento da perspectiva externa. Muito ao contrário, este novo olhar traduz a essência da nova “estratégia de circulação dual”. A dimensão externa - a da circulação externa – permanecerá em contato com o resto do mundo (**) – mas ela irá gradualmente ofuscada por outra (a da circulação interna) que irá cultivar a demanda doméstica, capital e ideias.
Duas grandes questões adicionais se colocam no desenvolvimento desta nova estratégia chinesa: 1- Como se dará a articulação desta estratégia (que chamamos Xinomics, devido ao Premier Xi Jinping) com a também nova estratégia de “two-track economy” da Bidenomics, do Presidente Joe Biden; 2- Como o Brasil se posiciona estrategicamente diante dessas duas novas estratégias duais. Voltaremos a estas questões em breve.
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre a estratégia de circulação dual da China, não hesite em nos contatar!
(*) Yongding, Yu (2020). Decoding China´s “Dual Circulation” Strategy. Project Syndicate. Sep 29.
(**) Fortalecida basicamente por duas frentes da atuação: 1- A estratégia de avanço territorial através da iniciativa “One Belt One Road”, de 2015, que combina objetivos econômicos e industriais com considerações geopolíticas em 64 países e mais 15 províncias chinesas, através de investimentos em infraestrutura de transporte, energia e conectividade; 2 – A estratégia “China 2025” que compreende um salto tecnológico em áreas de importância estratégia para a economia chinesa (tema já tratado aqui na newsletter de 21/05/2017).