Na newsletter da semana passada apontamos que nós, como país, estamos ficando para trás na corrida do desenvolvimento econômico e social, e pelo que tudo indica, não podemos mais insistir em políticas que se apoiam única e exclusivamente no conceito de competitividade. E é por essa razão que a Creativante passou a defender para o Brasil uma estratégia de integração à economia internacional que se apoia em três pilares centrais, ou 3C´s: Cooperação, Competição e Confronto.
A assertiva acima (“...não podemos mais insistir em políticas que se apoiam única e exclusivamente no conceito de competitividade”) pode ser considerada forte, mas basta uma leve observação nos principais indicadores mundiais associados à competitividade global, tais como The Global Competitiveness Report 2020/World Economic Forum [1]; Doing Business 2020 – World Bank [2]; Global Innovation Index 2020/Cornell-SC Johnson College of Business/INSEAD/WIPO [3], para constatar que ela procede. Todavia, nosso objetivo aqui não é apontar os problemas, e sim caminhos de soluções.
Neste sentido, é necessário assumir que precisamos de uma estratégia que permita que o país possa retomar o caminho do desenvolvimento em bases sustentáveis, e reconquiste sua competitividade. E esta estratégia é simples: “se não dá para competir, estabeleça parcerias/cooperações; mas quando conquistar robustez, volte a competir! E não precisamos ir muito longe para reconhecermos que este é um caminho factível. A própria de Lei da Informática do Brasil, criada em 1991, é o nosso maior exemplo para dar suporte a tal estratégia (exemplo de cooperação tecnológica infelizmente pouco compreendido pelas autoridades nacionais).
Conforme descreve o Tribunal de Contas da União – TCU [4], a Lei N° 8248, de 23/10/1991, conhecida como Lei de Informática, é uma política pública(portanto, procura atender a uma demanda da sociedade) e, mais especificamente, é uma política industrial, uma vez que os beneficiários diretos são as empresas produtoras dos bens elencados nas leis, alteradas ao longo do tempo [5].
Quando se observam os dois focos históricos da Lei de Informática, de capacitaçãoe competitividade, tanto na sua versão antiga de 1984 (ainda como Política Nacional), quanto na nova versão de 1991 (e alterações subsequentes em 2001, 2004, 2014, 2018, e 2019), constata-se que ao longo de sua vigência a Lei apresentou um resultado pouco conhecido (do público em geral) quanto à sua dimensão da capacitação esperada, mas se mostrou pouco capaz de contribuir para um incremento no perfil das exportações de bens nacionais. Portanto, não contribuiu (como esperado) para aumentar a competitividade do país a partir desse setor [6].
Todavia, ao se fazer um diagnóstico mais aprofundado a respeito dessa “baixa efetividade” da Lei, em termos do foco na competitividade (avaliação anterior), constata-se que o escopoda Lei foi demasiadamente estreito, uma vez que privilegiou parte das empresas do mercado global de TICs, ou seja, beneficiou preponderantemente produtores de TICs (ignorando as empresas usuárias de TICs). E, dentre os produtores, atentou mais especificamente para as empresas produtoras de hardware (em detrimento das empresas produtoras de software e serviços complementares) [7].
O diagnóstico do sucesso aparentemente “tímido” da Lei, ainda no âmbito da competitividade, deve ser visto, no entanto, com cautela. A competição acontece em dois níveis, sendo o mais visível o nível dos mercados de produtos (onde a competividade é mais lembrada), e o segundo, e menos visível, o dos mercados de fatores/insumos (tais como trabalho, capital e outros recursos). No mercado de insumos, o mais importante (para os propósitos da prosperidade social) é o mercado de trabalho, onde pessoas competem por empregos.
Nesse segundo nível, o Brasil foi suficientemente capaz de criar (a partir dos mecanismos de incentivos de P&D da Lei de Informática – mas não exclusivamente) diversos e relevantes ecossistemas de inovação ao redor de universidades e institutos públicos e privados de P&D inovador no Brasil como um todo (tais como o Porto Digital e o CESAR/CIN em Pernambuco), que ajudaram (mesmo sem contar com uma política nacional apropriada) tanto a gerar capacitação tecnológica para as empresas quanto o desenvolvimento de novas habilidades e competências para os mercados locais dentro do território nacional [8].
Sendo assim, em função dos resultados positivos proporcionados, parte da estratégia aqui proposta é a de ampliar o escopo e a amplitude da Lei de Informática, atendendo aos estrangeiros, e, particularmente àqueles que estejam na fronteira mundial das TICs, incluindo tanto produtores de hardware, quanto software e serviços, bem como empresas usuárias de TICs que desejem se instalar no território nacional. E a palavra-chave para esta iniciativa é a Cooperação, estendendo e aperfeiçoando o tipo de cooperação que já é feita há anos no âmbito da lei atual, mas transformando-a em um componente essencial de uma estratégia internacional de desenvolvimento.
É convicção da Creativante de que, dadas as características de GPT - General Purpose Technologies (Tecnologias de Propósito Geral) das TICs, ou seja, de tecnologias que podem afetar todos os setores da economia, a ampliação do escopo e da amplitude de mecanismos de P&D, como os da Lei de Informática brasileira, pode tracionar a economia nacional através de uma integração maior com a economia internacional, com benefícios mútuos no curto e médio prazos, e que certamente poderão possibilitar uma maior robustez maior no longo prazo, e um retorno a estratégias competitivas mais sólidas no futuro.
Finalmente, é oportuno que se diga que esta estratégia de cooperação não se restringe ao setor de informática brasileiro. Muito ao contrário, o que se espera é que este setor sirva de exemplo para que outros setores da economia nacional percebam que a cooperação é hoje o caminho mais estratégico para uma maior competitividade futura, e, consequentemente, para a retomada do desenvolvimento em bases sustentáveis!
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre nossa Estratégia de Duas Trações, não hesite em nos contatar!
[1] http://www3.weforum.org/docs/WEF_TheGlobalCompetitivenessReport2020.pdf
[2] https://www.doingbusiness.org/en/doingbusiness
[3] https://www.wipo.int/edocs/pubdocs/en/wipo_pub_gii_2020.pdf
[4] TCU (2014). Auditoria na Lei de Informática. Relator Ministro-Substituto André Luís de Carvalho
[5] Lei N° 7232, de 29/10/1984 (Política Nacional de Informática):
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7232.htm
Lei N° 8248, de 23 de outubro de 1991 (Lei de Informática):
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8248.htm;
Lei N° 10.176, de 11 de janeiro de 2001 (Lei de Informática): http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10176.htm;
Lei N° 11.077, de 30/12/2004:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11077.htm
Lei N° 13.023, de 08 de agosto de 2014 (Lei de Informática):
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/ln13023.htm
Lei N° 13.674, de 11 de junho de 2018 (Lei de Informática)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13674.htm
Lei N° 13.969, de 26 de dezembro de 2019 (Lei de Informática)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13969.htm
[6] Evidências disso podem ser encontradas em: TCU (2014). Auditoria na Lei de Informática. Relator Ministro-Substituto André Luís de Carvalho; Salles Fillho, Sérgio, Giancarlo Stefanuto, Carolina Mattos, Camila Zeitoum, e Fabio Rocha Campos (2012). Avaliação de impactos da Lei de Informática: uma análise da política industrial e de incentivo à inovação no setor de TIC brasileiro. Revista Brasileira de Inovação. 11, pp. 191-218. Julho; Kannenbley, Sérgio e Geciane Porto (2012). Incentivos Fiscais à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação no Brasil: Uma avaliação das políticas recentes. Banco Interamericano de Desenvolvimento/BID; Nassif, André, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Carmen Feijó, intitulado “The case of reindustrialisation in developing countries: towards the connection between the macroeconomic regime and the industrial policy in Brazil”, publicado no Cambridge Journal of Economics, 2017.
[7] Os estudos que tratam dessa característica da Lei são especialmente: Labrunie, Matheus Lino, Victor Prochnik, e Marco Antonio da Silveira (2013). “Uma avaliação abrangente da lei de informática do Brasil”. ANPEC; Carlos Américo Pacheco – Reitor do ITA (2014). Avaliação da Lei de Informática. ABINEE Tec, São Paulo. Slides; Zylberberg, Ezequiel (2016). “Redifining Brazil´s Role in Information and Communication Technology Global Value Chains”. MIT/IPC Working Paper 16-003, June.
[8] Esses aspectos estão analisados com mais profundidade pelo editor desta newsletter em 3 referências importantes para os efeitos desta avaliação: Newsletter da Creativante, 07/02/2011: http://bit.ly/1wU4eLU. Cavalcanti, J.C. (2013). “The essential trinity in high tech industries: ecosystem + platform + architecture”. 8th Research Workshop on Institutions and Organizations. RWIO Center for Organization Studies - CORS. São Paulo. Cavalcanti, J.C. (2015). “Effects of IT on Enterprise Architecture, Governance and Growth”. IGI-Global. EUA. Disponível em: http://bit.ly/1yFR0zr.