Nas newsletters de 28/02/2021 e de 07/03/2021 apresentamos o conceito que cunhamos de Incerteza Disruptiva a partir da leitura do livro “Radical Uncertainty: Decision-making for an unknowable future” (Incerteza Radical: Tomada de decisão para um mundo incognoscível)”, publicado em 2020 pelos economistas John Kay e Mervin King, onde eles trabalharam o conceito de Incerteza Radical.

Para explicitarmos o que estamos denominando por incerteza disruptiva, vamos inicialmente apontar brevemente nossa leitura crítica do livro aqui resenhado. Em primeiro lugar, devemos reconhecer que o livro é uma obra de fôlego, feito por economistas de renome, e com grande bagagem profissional e densidade intelectual. O livro tem uma narrativa coerente, já que relata uma história com componentes que são internamente consistentes.

No entanto, o eixo central da narrativa dos autores é uma disputa intelectual deles em relação ao que a disciplina de Economia trata (ou deveria tratar), e como trata, ou seja, suas metodologias. Direto ao ponto, os autores “compram” uma briga com o enfoque da rational choice under uncertainty (escolha racional sob incerteza), ou melhor, com aqueles profissionais que acreditam que os agentes econômicos otimizam, sujeitos a restrições definidas. Segundo os autores a maioria das decisões nos negócios, finanças, política e desenvolvimento pessoal, e os seus resultados, são muito complexos e imprecisamente definidos para serem enfocados como problemas que podem ser solucionados através de “quantificação de probabilidades”. Ou seja, os autores argumentam que tais decisões, e os seus resultados, são sujeitos a uma “incerteza radical” (um imperfeito conhecimento dos estados futuros do mundo e das consequências das ações).

Em nossa opinião os autores compram tal briga desnecessariamente, já que o conhecimento imperfeito dos estados futuros do mundo já era assumido há muitos anos, e foi cientificamente demonstrado pelo físico Werner Heisenberg, através do seu “Princípio da Incerteza”. Este princípio que atesta que ninguém pode saber, exatamente e simultaneamente, os valores para a posição e o momento de um sistema físico. Mais que isso, essas quantidades (posição e momento) só podem ser determinadas com algumas “incertezas” características que não podem se tornar arbitrariamente pequenas simultaneamente. Com este princípio ficou estabelecida a “Física Quântica”, em contraste com a Física Clássica. É a Física Quântica que está por trás da Mecânica Quântica, que está dando condições para a existência da nova Quantum Computing (Computação Quântica), que irá mudar radicalmente o panorama da computação.

Em segundo lugar, os autores assumem uma posição intelectual passiva diante da incerteza no mundo (incerteza radical, na expressão por eles utilizada), como se pouco, ou quase nada, pudesse ser feito para “desenhar”, ou “construir”, o futuro à nossa maneira (mesmo sabendo-se que o futuro só vem do futuro), ou para atenuar as incertezas. E aqui é possível evocar uma característica distintiva entre as categorias profissionais dos economistas (formação dos autores do livro) e os engenheiros (aqui representando, de forma particular, os que “constroem” o futuro): os primeiros analisam as realidades social, econômica e política; os segundos criam oportunidades que mudam tais realidades.

Por último, nosso conceito de incerteza disruptiva advém exatamente da crença nos dois argumentos anteriores. Como a incerteza é um dado da realidade (e não estamos disputando as melhores formas de interpretar a realidade), e como acreditamos que é possível “desenhar” ou “construir” futuros possíveis, acreditamos também que a incerteza pode ser dividida em duas: a incerteza disruptiva e a incerteza não-disruptiva, dos pontos de vista social, econômico e político.

A incerteza disruptiva é aquela que permite que os futuros desejados e antecipados sejam mais facilmente determinados; ou seja, é a incerteza que viabiliza a identificação antecipada de condições para que diferentes contextos possam surgir, transformando os contextos do presente. Como os humanos têm diferentes habilidades e competências para tais antecipações, somente aqueles mais aptos em antecipar tais futuros (e construí-los) é que obterão vantagens competitivas diferenciadoras. A incerteza não-disruptiva, em contraste, é aquela que não permite que futuros desejados e antecipados sejam determinados. A explicação para isso pode estar associada ao “conhecimento imperfeito” apontado na incerteza radical defendida pelos autores do livro comentado.

Em resumo, há muito mais coisas a serem tratadas nesta visão de incerteza disruptiva (e que deixaremos para uma futura oportunidade), mas certamente a leitura do livro aqui resenhado foi fundamental para uma percepção mais aprofundada sobre as possibilidades de desenhar e construir futuros. Afinal, como apontado no início do filme “The Big Short” (A Grande Aposta)(que revela as origens da crise financeira dos anos 2007/08):

“O que causa problemas não é o que não sabemos, mas aquilo que temos certeza que é verdade” (Mark Twain)

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre incerteza disruptiva, não hesite em nos contatar!