A primeira vez que o editor desta newsletter teve contato com as narrativas para a evolução da inflação no Brasil foi na época do seu mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (entre 1983 e 1985). Naquela ocasião tivemos a grande satisfação de ler o livro “A Inflação Brasileira”, publicado pela primeira vez em 1963, pelo advogado e economista maranhense Ignácio Rangel, obra que teve uma reedição em 1978. 

E por qual motivo lemos esta obra do Ignácio Rangel? Em primeiro lugar, este editor era um engenheiro procurando entender o “quebra-cabeças” da estrutura e da dinâmica da economia brasileira à época. Recém-formado, vivenciávamos (no início dos anos 80) uma forte recessão no país, e, infelizmente, não tínhamos ainda a formação adequada para compreender o que estava acontecendo com a economia brasileira (ademais, ainda vivíamos o regime militar, onde acesso à informação era muito limitado).

Pesquisávamos muito nas bibliotecas da UFRJ e da FGV-RJ para colher pistas na literatura acadêmica, e líamos muito a Folha de São Paulo (em ascensão à época), o Jornal do Brasil e o Estado de São Paulo para saber o que os economistas estavam comentando. E foi assim que chegamos ao Ignácio Rangel, frequente comentarista daqueles jornais.

Sua abordagem se diferenciava dos demais, já que referenciava muito aos ciclos econômicos de longo prazo (ou das ondas longas, conceito sugerido pelo economista russo Nicolai Kondratieff, que se tornou conhecido no ocidente pelos escritos do economista austríaco Joseph Schumpeter – um pioneiro no estudo da inovação e muito associado ao termo “criação destrutiva”, ou “destruição criadora”), em adição aos ciclos de curto prazo (que envolvem a alternância de períodos de crescimento relativamente rápido do produto – recuperação/prosperidade – e de períodos de contração/recessão, representando desvios da tendência do crescimento econômico), e à sua tese da “dualidade básica brasileira”.

Segundo apuramos naquela época, na década de 1950, sem conhecer o trabalho do economista russo, Rangel propôs uma reinterpretação da história do Brasil a partir do seu conceito de “dualidade básica”, com o qual ele tentava relacionar a dinâmica interna brasileira e as relações que o país mantinha com as economias centrais. Nas palavras do próprio Rangel: “... todos os nossos institutos, todas as nossas categorias – o latifúndio, a indústria, o comércio, o capital, o trabalho e nossa própria economia nacional – são mistos, têm dupla natureza, e se nos afiguram coisas diversas, se vistos do interior ou do exterior, respectivamente”.

Algumas décadas depois, ele identificou que essa dinâmica coincidia com as inflexões dos ciclos de Kondratieff (para um exame atual sobre esses ciclos, ver este link), o que o levou a imaginar que a sociedade brasileira modifica suas dualidades em reação a esses grandes movimentos da economia mundial, proporcionados pelas “ondas longas”.

Voltando ao livro “A Inflação Brasileira”, e mais especificamente à sua reedição em 1978 (com a qual tivemos maior contato), esta obra foi dividida por Rangel em seis partes (uma primeira sem título específico, voltada para sua leitura crítica das interpretações da inflação das duas principais escolas de pensamento econômico à época – monetaristas e estruturalistas); a segunda intitulada “Estrutura Agrária e Propensão a Consumir”; a terceira intitulada “A Inflação e a Renda”; a quarta intitulada “Da Preferência à Liquidez ao Déficit Orçamentário”; a quinta intitulada “A Taxa de Imobilização do Sistema”; e uma última constituída por um “Posfácio”, onde Rangel aponta seus erros e acertos nas edições anteriores, e acrescentava outras de suas reflexões no momento da última edição).

Mas por que estamos revisitando os trabalhos de Ignácio Rangel sobre a inflação brasileira? Como indicamos na newsletter de 21-03-2021, há sólidas evidências de que os fatores demográfico e da globalização (fatores de longo prazo), que foram largamente responsáveis pelas pressões deflacionárias das últimas três décadas, estão sendo revertidos, de forma que as principais economias do mundo irão, muito provavelmente, enfrentar, uma vez mais, pressões inflacionárias ao longo das próximas três ou mais décadas.

Neste sentido, como nós da Creativante acreditamos que o Brasil está sujeito às mesmas pressões acima citadas, e como também visualizamos que tal fenômeno está associado às análises conjuntas dos ciclos econômicos de curto prazo (*) e de longo prazo, o recurso às ideias de Ignácio Rangel é um caminho natural para a busca de novas interpretações sobre o que pode estar acontecendo com a economia brasileira, e sobre o que podemos “projetar” para o futuro! Logo, na próxima newsletter vamos apresentar aqui alguns dos insights que consideramos mais interessantes da obra de Ignácio Rangel!

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre os aspectos históricos e atualidades da inflação brasileira, não hesite em nos contatar!

(*) Discussões que são dominadas pelos especialistas da área (macroeconomistas marcadamente)