Nesta terceira década dos anos 2000 deveremos vivenciar uma substantiva transformação no Sistema Financeiro Nacional – SFN, tão significativa quanto aquela que ocorreu nos anos 60 do século passado (que tratamos aqui nas newsletters de 25-04-2021, 29-08-2021, e 05-09-2021), e que gerou a arquitetura do atual sistema.

Tal transformação é fruto de um conjunto de fatores, dentre os quais destacamos a exaustão do seu atual “modelo de negócio”, uma vez que não está mais gerando valor suficiente para a economia brasileira (não representando o eficiente “sistema circulatório”, metáfora da Medicina que utilizamos para caracterizar o seu papel para a economia real), não está mais entregando o valor desejado pela maioria dos brasileiros (*), e, finalmente, não captura valor de forma que seja considerada justa.

Os principais catalisadores dessa transformação são as mudanças recentes na arquitetura do Sistema Financeiro Internacional, as quais são fruto tanto de inovações tecnológicas e de inovações financeiras (decorrentes dessas inovações tecnológicas), quanto de novos padrões em preferências dos consumidores, que, por estarem com mais informações à disposição, demandam produtos e serviços mais baratos, confiáveis e mais ágeis.

Como já antecipamos nas newsletters de 01-11-2020, 08-11-2020, 16-11-2020, 22-11-2020, e 30-10-2020, em função da atual transformação digital que está acontecendo no mundo, estamos tomando conhecimento de uma nova área da Economia denominada Digital Finance (Finanças Digitais), onde se constata o impacto das novas tecnologias, negócios e organizações digitais na tradicional indústria dos produtos e serviços financeiros.

O surgimento dessa Digital Finance tem proporcionado a conformação, ao nosso ver, de pelo menos três ecossistemas financeiros no mundo: i) o novo ecossistema DeFi (Decentralized Finance – que lida com novos ativos, modelos de negócios e organizações digitais, e que não orbita ao redor das instituições normativas tradicionais do sistema financeiro, marcadamente dos Bancos Centrais); ii) o impactado (pelo novo DeFi) ecossistema CeFi (Centralized Finance – que se baseia nas instituições do sistema financeiro tradicional, mas que aos poucos está se transformando impulsionado pela estrutura e pela dinâmica dos novos ativos, negócios e organizações digitais); e, iii) o ecossistema que cunhamos de PlatFi (Platform Finance – ou seja, aquele que é estruturado a partir da inserção das plataformas digitais nos mercados financeiros).

E por que é importante prestar atenção a essa nova Digital Finance? Como já apontamos na newsletter de 08-12-2019, os mercados financeiros tradicionais são importantes porque eles têm uma perspectiva de “forward-looking” (olhar para frente), enquanto os indicadores da economia real são históricos. Picos e vales na bolsa de valores nos dizem sobre as futuras perspectivas da economia real.

Além disso, a produção real requer financiamento. Desta forma, é claro que os mercados financeiros primários criam valor, ao ofertarem capital novo para os negócios. Mas a vasta maioria desta atividade ocorre nos chamados “mercados financeiros secundários”, onde nenhum fundo novo é levantado. Fundos de hedge, fundos mútuos, e outros investidores tipicamente comercializam “second-hand stocks and bonds” (ações e títulos de segunda mão), e o fazem dentre eles próprios.

Mas se as companhias reais não estão envolvidas, elas não podem se beneficiar dessa atividade? Na realidade podem. De fato, os tradicionais mercados financeiros secundários podem melhorar a eficiência real da economia através de dois canais. O primeiro são os incentivos. Gestores de ações, de opções, e a reputação de todos, dependem dos preços das ações. Então, seus incentivos para tomarem ações reais dependem da extensão pela qual aquelas ações irão ser refletidas nos preços das ações.

O segundo canal é o aprendizado. Muitos dos guias chave do valor de longo prazo de uma empresa, tais como posicionamento estratégico, são difíceis de medir objetivamente. Tal como um sistema eleitoral eficiente, o preço de uma ação agrega a informação de milhões de investidores, cada um com seu ponto de vista diferente, e os sumariza em um único número, o qual pode ser usado por qualquer um gratuitamente.

E como tudo isso funciona na Digital Finance? É exatamente aí onde repousa a necessidade de prestarmos mais atenção aos três ecossistemas aqui referidos. Eles estão praticamente reproduzindo, no mundo digital, aquelas iniciativas, organizações, mecanismos, processos e regras que existem no mundo físico. E tal reprodução tem tido um efeito de “retroalimentação” nas atividades do sistema financeiro tradicional.

Um desses efeitos de retroalimentação vem se materializando em iniciativas de digitalização das moedas dos Bancos Centrais mundo afora, hoje muito conhecidas como fiat currencies, tratadas agora como CBDCs- Central Bank Digital Currencies: ou seja, é a digitalização da moeda emitida pelos governos centrais, através de seus Bancos Centrais, que não são lastreadas por qualquer mercadoria física, tais como ouro ou prata, e cujo valor advém da confiança que as pessoas têm em quem as emitiu.

É neste contexto que está surgindo o Real (R$) Digital, ou seja, a digitalização da moeda brasileira que é emitida pelo Banco Central. A introdução do Real (R$) Digital deverá ser um dos principais pilares do novo Sistema Financeiro Nacional. Mas este é o tema que trataremos na próxima newsletter!

Se sua empresa, organização ou instituição, deseja saber mais sobre o Real (R$) Digital, não hesite em nos contatar!

(*) O sistema, como já tratado nas newsletters referidas, sofreu um retardamento no seu desenvolvimento em função do efeito de “crowding out” (efeito de deslocamento) da ação do Estado em relação ao setor privado, e também criou mercados ineficientes, tais como os de crédito, que se tornaram caros, escassos, concentrados, e segmentados.