Enquanto a política no Brasil não vai bem (com uma polarização exacerbada, e que nada contribui para o desenvolvimento do país), uma revolução silenciosa está acontecendo no comportamento do brasileiro: ele está mais preocupado com Finanças, e está, a cada dia, procurando saber mais, e participando mais, dos Mercados de Capitais (*).

Mas o que são os Mercados de Capitais? Empreendedores e negócios sabem como gerar dinheiro; no entanto, para expandir seus negócios, eles precisam de dinheiro. Por outro lado, investidores têm dinheiro disponível que eles gostariam de obter um retorno. Os mercados de capitais facilitam a transferência do dinheiro entre esses dois lados de maneira efetiva. É a função mais vital que permite uma economia de mercado crescer ao longo do tempo.

Os mercados de capitais adicionam eficiência a uma economia. Ao invés dos investidores buscarem por lugares onde investir seu dinheiro, e ao invés dos negócios buscarem investidores individuais, os mercados de capitais provêm um “hub central” que facilita essas transações.

Grosso modo, os mercados de capitais se dividem essencialmente entre os mercados de ações e os mercados de títulos. Quando se observa seus principais produtos, tem-se, geralmente, ações, títulos de dívida, moedas, commodities, derivativos etc. Cada um desses produtos é comercializado em trocas e mercados diferentes. Alguns títulos são vendidos em trocas que são centralizadas, e outros são descentralizados e comercializados “no balcão” (over-the-counter – OTC).

E qual é a trajetória histórica dos mercados de capitais no Brasil? A Comissão de Valores Mobiliários – CVM (**) tem um registro importante dessa trajetória:

Antes da década de 60 do século passado, os brasileiros investiam principalmente em ativos reais (imóveis), evitando aplicações em títulos públicos ou privados. A um ambiente econômico de inflação crescente – principalmente a partir do final da década de 1950 – se somava uma legislação que limitava em 12% ao ano a taxa máxima de juros, a chamada lei da Usura, também limitando o desenvolvimento de um mercado de capitais ativo.

Essa situação começa a se modificar quando o Governo que assumiu o poder em abril de 1964 iniciou um programa de grandes reformas na economia nacional, dentre as quais figurava a reestruturação do mercado financeiro quando diversas novas leis foram editadas.

Entre aquelas que tiveram maior importância para o mercado de capitais podemos citar a Lei n° 4.537/64, que instituiu a correção monetária, através da criação das ORTN, a Lei n° 4.595/64, denominada lei da reforma bancária, que reformulou todo o sistema nacional de intermediação financeira e criou o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central e, principalmente, a Lei n° 4.728, de 14.04.65, primeira lei de Mercado de Capitais, que disciplinou esse mercado e estabeleceu medidas para seu desenvolvimento.

A introdução da legislação acima referida resultou em diversas modificações no mercado acionário, tais como: a reformulação da legislação sobre Bolsa de Valores, a transformação dos corretores de fundos públicos em Sociedades Corretoras, forçando a sua profissionalização, a criação dos Bancos de Investimento, a quem foi atribuída a principal tarefa de desenvolver a indústria de fundos de investimento”.

Apesar dessas mudanças institucionais, o país não foi capaz de desenvolver um robusto mercado de capitais nos anos subsequentes. Uma das razões que podemos avançar está relacionada à estratégia de desenvolvimento econômico que o país optou ao longo do século 20.

Como apontamos na newsletter de 25/04/2021, “... Ao invés de serem criados mecanismos para impulsionar o capital financeiro no país, estabelecendo condições para que uma poupança interna fosse gerada, e que esta fosse transformada em investimento (para financiamentos de curto e de longo prazos) através de um sistema financeiro privado dinâmico, o que se viu foi a criação de poupança pública forçada, através de instrumentos como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS (base do então novo Sistema Financeiro da Habitação) e de programas de seguro social, como o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor PúblicoPASEP e o Programa de Integração Social – PIS (5)”(***).

Ou seja, nosso desenvolvimento econômico, baseado num processo de industrialização via substituição de importações, foi estruturado pela ação do Estado e guiado pelo fomento público (lastreado em aumentos de impostos e crescimento de déficits públicos), criando um verdadeiro efeito de “crowding out” (efeito de deslocamento) do setor privado. Em Economia, este efeito emerge quando ocorre o aumento do envolvimento do governo em um setor da economia de mercado, afetando substantivamente o restante do mercado.

Em resumo, deliberadamente (ou não), retardamos o desenvolvimento do mercado de capitais no país, e estamos hoje pagando um alto preço por esta escolha, agora que a poupança pública se tornou escassa (num contexto onde não há mais margens para aumento de cargas tributárias, nem ambiente para crescimento de dívidas públicas), as instituições do fomento público envelheceram, ao tempo em que novas dinâmicas econômicas se impõem (como as inovações tecnológicas recentes e o novo comportamento do consumidor brasileiro).

Na próxima newsletter indicaremos o que estamos pensando em termos de um novo desenho de um arcabouço institucional que contemple uma nova realidade financeira, consumidores mais informados e exigentes, e novos desafios para o país.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre mercados de capitais, não hesite em nos contatar!

(*) O número de investidores individuais (pessoas físicas) na B3 (bolsa brasileira) cresceu numa década de 583.201 participantes em 2011 para 3.863.080 no primeiro semestre de 2021 (dados de 30/07/2021), ou seja, um crescimento de mais de 500% no período.

(**) Entidade autárquica, em regime especial, vinculada ao Ministério da Economia, criada pela Lei n° 6.385, de 07 de dezembro de 1976, com a finalidade de disciplinar, fiscalizar e desenvolver o mercado de valores mobiliários.

(***) Esta referência (5) informava: “Outro fundo de poupança forçada foi o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, que veio a ser criado em 1990”.