Ano passado nossa mensagem de fim de ano se intitulou “Boas e Cuidadosas Festas!”. Vivenciávamos, naquela oportunidade, uma nova variante da COVID (a Ômicron), e o temor de que ela replicasse os piores momentos da epidemia anterior. Na Economia, depois de um primeiro trimestre prometedor, aos poucos fomos constatando que a recuperação econômica em curso estava perdendo sua intensidade e dinamismo, chegando ao último trimestre com perspectivas nada alentadoras, e com projeções nada acalentadoras para 2022.
Vivemos, sem sombra de dúvidas, tempos transientes! Estamos abandonando uma “ordem internacional” (que teve início com o término da II Guerra Mundial), e estamos observando uma transição para uma “nova ordem”, a qual ainda não tem um arcabouço definido. A única certeza que podemos observar é que há ainda muita discórdia (desacordo, falta de harmonia) pairando no ar.
O conceito de escassez é central na Ciência Econômica. Muitos afirmam até que a Economia é a “Ciência da Escassez”. O economista Lionel Robbins forneceu uma das principais (e mais reproduzidas) definições de Economia e toda uma teoria acerca do conceito de escassez no seu livro “a href="https://www.amazon.com/-/pt/dp/1610160398/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=ÅMÅŽÕÑ&keywords=An+Essay+on+the+Nature+and+Significance+of+Economic+Science&qid=1670069616&sr=8-1" tar" rel">An "ssay on the Nature and Significance of Economics” (Um Ensaio sobre a Natureza e Significado da Economia), de 1932: “A Economia é a ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre determinados fins e meios escassos os quais têm usos alternativos”.
Em trabalho publicado em 2019 pelo Strategy, Policy, and Review Department do Fundo Monetário Internacional – FMI, intitulado “The Economics and Implications of Data: An Integrated Perspective” (A Economia e Implicações dos Dados: Uma Perspectiva Integrada), Yan Carrière-Swallow and Vikram Haksar ofertam uma síntese das funções dos dados na economia moderna, como um insumo na função de produção, bem como um meio de mudar informação entre os agentes econômicos.
A Ciência da Informação usa o conceito de “pirâmide de dados” para mostrar a relação entre dados, informação e conhecimento. Um sistema tem que coletar dados brutos, e, subsequentemente, organizar e analisar aqueles dados para transformá-los em informação. Os discernimentos obtidos das informações podem, então, ser transformados em conhecimento, que é geralmente incorporado em humanos, e usados em suas ações.
Nas newsletters de a 30/10/2022 e de 06/11/2022 desenvolvemos o argumento de que estamos vivenciando um fenômeno sofisticado, complexo, sutil, silencioso e pouco compreendido do mundo contemporâneo, e que denominamos como sendo “a colonização do mundo da vida pelos sistemas técnico-econômicos digitais”. Tal colonização transforma, de forma substantiva, a “Esfera Pública” (esfera que media as relações entre o Estado e a Sociedade Civil) tal como a conhecemos, e isto tem sérias implicações para a Democracia.
“Why Software Is Eating The World”
Em artigo hoje famoso, publicado em 20/08/2011 no Wall Street Journal (um dos jornais mais influentes do mundo), com o título da epígrafe acima, Marc Andreessen (*) defendeu que “software estaria devorando o mundo”. Sua previsão era que empresas de software iriam causar amplas disrupções nas indústrias tradicionais, e desde então, temos visto que a ideia de que “toda empresa necessita se tornar uma empresa de software” passou a ser considerada quase como um clichê.
A Esfera Pública (a esfera que media as relações entre o Estado e a Sociedade Civil) é fundamental para a Democracia, e ela está mudando – esta é a principal conclusão da histórica e seminal contribuição do Filósofo e Sociólogo alemão Jürgen Habermas, em seu livro “The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Bourgeois Society” (A Transformação Estrutural da Esfera Pública: Uma Investigação sobre uma Categoria de Sociedade Burguesa), publicado em 1962, na língua alemã, e somente traduzido e publicado para o inglês em 1989.
Esta sua obra foi crucial para a construção do seu mais importante projeto intelectual: o desenvolvimento de sua “Teoria do Agir Comunicativo”, em que o autor continua seu empreendimento para achar uma forma de alicerçar as Ciências Sociais em uma Teoria da Linguagem. Em seu livro mais ousado [publicado em dois volumes: (I) “The Theory of Communication Action: Reason and the Rationalization of Society” (A Teoria do Agir Comunicativo: Razão e Racionalização da Sociedade), de 1981, em alemão, traduzido para o inglês em 1984; e, (II) “The Theory of Communicative Action: Lifeworld and System - A Critique of Functionalist Reason” (A Teoria da Ação Comunicativa: Mundo da Vida e Sistema – Uma Crítica da Razão Funcionalista), de 1981, em alemão, traduzido para o inglês em 1987] ele reconstrói um conceito de razão que não repousa em termos instrumentais ou objetivistas, mas sim em uma ação comunicativa emancipatória.
Limitando-nos, por ora, ao primeiro livro, por que é necessário entender a esfera pública na era digital? Resumidamente, porque “o digital transforma substantivamente a esfera pública com consequências importantes para a Democracia”. A noção de “esfera pública” começou a evoluir durante a Renascença (aproximadamente entre meados do século XIV e o fim do século XVI) na Europa Ocidental. Trazida parcialmente pela necessidade dos comerciantes por informação acurada sobre os mercados distantes, bem como pelo crescimento da democracia, da liberdade individual e da soberania popular, a esfera pública era um lugar entre indivíduos privados e autoridades governamentais, em que as pessoas podiam se encontrar e ter debates críticos sobre assuntos públicos.
Tais discussões serviam como um contrapeso para a autoridade política e acontecia fisicamente em encontros face-a-face em casas de cafés e em praças públicas, bem como na mídia em cartas, livros, dramas, e nas artes. Habermas viu uma vibrante esfera pública como uma força positiva mantendo as autoridades dentro de limites, para que suas regras não fossem ridicularizadas.
Habermas enxergou (de forma resumida) duas transições de esfera pública. A primeira foi a da transformação das sociedades feudais em uma ordem constitucional burguesa liberal que distinguiu dois domínios: o público e o privado. No domínio privado, havia uma esfera pública burguesa para o debate político crítico-racional, que formou um novo fenômeno chamado “opinião pública”. A segunda transição foi da esfera pública burguesa liberal para a moderna sociedade de massa do Estado do Bem-estar Social.
Começando nos anos 1830, estendendo do final do século 19 para o início do século 20, uma nova constelação de desenvolvimentos sociais, culturais, políticos, e filosóficos tomou lugar. Tais desenvolvimentos correram em paralelo com grandes transformações socioeconômicas baseadas na industrialização, e o resultado foi o surgimento das sociedades de massa caracterizadas pelo capitalismo de consumo no século 20.
As demarcações claras entre o público e o privado e entre o Estado e a sociedade se tornaram borradas. A esfera pública burguesa foi transformada pela crescente reintegração e entrelaçamento do Estado e da sociedade que resultou no moderno Estado do bem-estar social. Habermas assinala os efeitos perniciosos da comercialização e consumerização/customização da esfera pública através do surgimento da mídia de massa, das relações públicas, e da cultura do consumidor. Seeliger e Sevignani (2022) sintetizam muito bem essas duas transições na Tabela I à frente.
Mas para a defesa do argumento que aqui estamos colocando (de uma nova transformação da esfera pública pela via digital, impactando a Democracia), há que ser apresentado o principal framework (arcabouço) analítico que Habermas desenvolveu na sua Teoria do Agir Comunicativo: ou seja, o esquema interpretativo denominado “Lifeworld and System” (Mundo da Vida e Sistema).
Como pode ser visto na Figura 1 à frente, o framework de Habermas é composto de duas ordens institucionais do mundo da vida (a esfera privada, da sociedade civil, e a esfera pública) e por dois subsistemas controlados por meios (o sistema econômico e o sistema administrativo/Estado), onde seus principais agentes sociais estabelecem relações de troca por meio do dinheiro e do poder.
Na segunda parte desta newsletter especificaremos mais em detalhe este framework analítico de Habermas, e apresentaremos a contribuição de Seeliger e Sevignani (2022), os quais defendem que a nova transformação da esfera pública está sendo mediada por três desenvolvimentos institucionais (a digitalização, a comoditização e a globalização do social). Além disso, vamos incorporar ao nosso argumento a transformação dos sistemas de confiança nas relações socioeconômicas, que estão passando de “sistemas de confiança baseados em humanos” (que não escalam) para aqueles “sistemas de confiança baseados em tecnologia”, os quais podem escalar virtualmente sem limites.
Se sua empresa, organização ou instituição, deseja saber mais sobre a transformação digital da esfera pública, não hesite em nos contatar!
Não é a primeira vez que esta newsletter trata sobre a economia da China. Na newsletter de 06-09-2015, comentávamos sobre a relação de codependência das economias dos Estados Unidos e da China. Em 21-05-2017 discutimos sobre o “China Manufacturing 2025: Putting Industrial Policy Ahead of Market Forces”, documento que surgiu depois do plano “China 2025”, plano este destinado a avançar, de forma compreensiva, a indústria chinesa.
Na newsletter da semana que passou apontamos que dois artigos recentes, publicados na prestigiosa revista Nature, Chetty et al. (2022) (1, e 2), introduziram medidas detalhadas da variável Capital Social usando 21 bilhões de amizades da plataforma digital do Facebook – o maior conjunto de dados do mundo sobre conexões sociais. O escopo dos dados possibilitou quantificar vários tipos de capital social, e a explorar os efeitos dessas redes sociais.
Nas últimas newsletters estivemos tratando de tendências em direção a uma sociedade descentralizada. Todavia, uma variável importante deve ser mais observada, se desejamos que a trajetória para uma nova sociedade descentralizada possibilite resultados mais justos e harmônicos: esta variável se denomina Capital Social!
Como apontado por Chris Dixon (sócio da empresa Andreessen Horowitz, uma das mais importantes empresas de venture capital do mundo), durante a primeira era da internet – dos anos 80 até meados dos anos 2000 – os serviços eram construídos sobre protocolos abertos que eram controlados pela comunidade internet. Isto significava que pessoas ou organizações poderiam crescer sua presença internet sabendo que as regras do jogo não seriam mudadas mais tarde. Com isso, “web properties” amplas (verdadeiras propriedades na web) foram iniciadas nessa era, incluindo Yahoo, Google, Amazon, Facebook, Linkedin e Youtube. No processo, a importância das plataformas centralizadas, tais como AOL, diminuiu.
Dois livros, “The Third Pillar: How Markets and the State Leave the Community Behind” (O Terceiro Pilar: Como Mercados e Estado Abandonam a Comunidade), publicado em 2019 pelo economista Raghuram Rajan, Professor de Finanças da Chicago University nos EUA (e ex-Presidente do Banco Central da Índia), e “Markets, State, and People: Economics for Public Policy” (Mercados, Estado e Pessoas: Economia para Política Pública), publicado em 2020 pela economista Diane Coyle, Professora de Política Pública da Cambridge University, na Inglaterra, editados em lugares e circunstâncias distintos, comunicam-nos uma mensagem importante: temos pensado, falado e escrito muito (isolada ou combinadamente) sobre Mercados e Estado, mas temos dado pouca atenção às Pessoas e Comunidades, e como elas afetam e são afetadas pelos Mercados e pelo Estado.