O valor do dólar dos EUA é o maior em uma geração, desvalorizando moedas ao redor do mundo e inquietando o panorama para a economia global. Este é o início da matéria do New York Times de 16-07-2022, intitulada “The Dollar Is Extremely Strong, Pushing Down the World” (O Dólar Está Extremamente Forte, Empurrando o Mundo para Baixo”).

A questão que nos cabe perguntar é: como chegamos a este ponto? Existem várias formas de responder tal questão. Uma delas é apelando para a História Econômica. Neste âmbito, não podemos deixar de referenciar a importante contribuição do Professor da Universidade da Califórnia/EUA Barry Eichengreen, particularmente seu livro de 2011, intitulado “Exorbitant Privilege: The Rise and Fall of the Dollar” (Exorbitante Privilégio: O Surgimento e a Queda do Dólar).

Na página do livro na Amazon.com podemos encontrar uma boa propaganda-resumo do livro. Por mais de metade de um século, o dólar tem sido não somente a moeda dos EUA, mas a moeda do mundo. Ela é usada globalmente por importadores, exportadores, investidores, governos e bancos centrais. Este papel singular do dólar é uma fonte de força dos EUA. É, como um crítico das políticas dos EUA colocou nos anos 1960s, o “privilégio exorbitante dos EUA”. Mas agora (2012, data de publicação do livro na Amazon, e daí por diante), com os déficits do orçamento americano se estendendo até onde os olhos podem ver, deter dólares é visto como uma proposição perdedora. Alguns dizem que o dólar pode brevemente deixar de ser a moeda padrão mundial, o que poderia deprimir os padrões de vida nos EUA, e enfraquecer a influência internacional do país.

No livro, o Prof. Eichengreen traça a subida do dólar à sua proeminência internacional. Ele mostra como a moeda dominou internacionalmente na segunda metade do século 20 pelas mesmas razões que os EUA dominaram a economia global. Mas agora, com o surgimento da China, Índia, Brasil e outras economias emergentes, os EUA não mais se erguem sobre a economia global. Segundo o Professor, a partir daí o dólar não será tão dominante. Mas isto não significa que as mudanças vindouras necessitem ser repentinas ou ousadas, ou que o dólar está destinado a perder seu status internacional.

Desafiando a presunção que há espaço para somente uma moeda verdadeiramente global, o Prof. Eichengreen mostra que várias moedas têm regularmente compartilhado este papel. O que foi verdade no passado distante será verdade, uma vez mais, em um futuro-não-tão-distante. O dólar irá perder seu status de moeda internacional somente se os EUA repetirem os erros que levaram à crise financeira, e somente se falharem em colocar sua casa em ordem, dos pontos de vista fiscal e financeiro.

Entretanto, a “cruzada acadêmica” do Prof. Eichengreen para desvendar a influência global do dólar não para aí. Na propaganda do seu livro de 2018, intitulado “How Global Currencies Work: Past, Present and Future” (Como as Moedas Globais Funcionam: Passado, Presente e Futuro), em coautoria com Arnaud Mehl e Livia Chitu, consta o seguinte resumo. À primeira vista, a história da economia global moderna parece dar suporte à visão longamente sustentada de que a moeda da potência líder do mundo invariavelmente domina o comércio e as finanças internacionais. Neste livro os autores dão uma reviravolta nessa sabedoria convencional.

Ao oferecerem uma nova história das finanças globais ao longo dos dois últimos séculos, e agrupando extensivos novos dados para testar teorias correntes sobre como as moedas globais funcionam, os autores mostram que várias moedas nacionais podem compartilhar o status de moeda internacional – e que suas importâncias podem mudar rapidamente. Eles demonstram como mudanças em tecnologia, comércio e finanças internacionais têm conformado a paisagem das moedas internacionais de maneira que vários padrões financeiros internacionais podem coexistir.

De fato, eles mostram que múltiplas moedas de reserva internacionais coexistiram no passado – agregando a visão tradicional da dominância da libra esterlina britânica antes de 1945 e a dominância dos EUA no pós-guerra. Olhando à frente, o livro lida com as implicações deste novo arcabouço para grandes questões a serem enfrentadas no futuro do sistema monetário internacional, incluindo como o aumento na competição de moedas pode afetar a estabilidade financeira global.

Para fechar o ciclo de livros recentes do Prof. Eichengreen, não podemos deixar de registrar a publicação do seu trabalho mais recente, intitulado “In Defense of Public Debt” (Em Defesa da Dívida Pública), de 2021, em coautoria com Asmaa El-Ganainy, Ruy Esteves e Kris James Mitchener. Neste livro os autores mostram que as dívidas públicas explodiram a níveis sem precedentes na história moderna, à medida que os governos responderam à pandemia da COVID 19 e a consequente crise econômica. A elevação dramática tem suscitado advertências apocalípticas sobre os perigos de dívidas pesadas – sobre a draga que elas colocam no crescimento econômico, e a carga que elas representam para as futuras gerações.

Os autores argumentam que a habilidade dos governos em emitirem dívida desempenha um papel crítico em endereçar emergências, de guerras, passando por pandemias, até crises econômicas e financeiras, bem como em promover fundos essenciais para bens públicos e serviços, tais como transporte, educação, e cuidados com a saúde. Deste modo, a capacidade de emitir dívida tem sido integral para a construção e sobrevivência do Estado. Transações com títulos da dívida pública têm também contribuído para o desenvolvimento dos mercados privados, e, através deste canal, para o moderno crescimento econômico.

Apesar de todo este importante (e necessário) “passeio” pela contribuição recente do Prof. Eichengreen, a qual continua com seu artigo mais recente, intitulado “The stealth erosion of dollar dominance and the rise of nontraditional reserve currencies” (A discreta erosão da dominância do dólar e o surgimento de moedas de reserva não tradicionais), o panorama por ele apresentado não dá destaque a um player fundamental na arquitetura geral do sistema monetário internacional: não faz a devida referência ao “Eurodollar Market”, ou seja, ao mercado de dólares depositados fora do sistema bancário dos EUA, isto é, depositados em bancos não americanos, ou fora do território norte-americano, tema que voltaremos na próxima newsletter.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre os rumos do dólar na economia mundial, não hesite em nos contatar!