Na newsletter da semana passada introduzimos a questão da Estatidade, conceito que diz respeito à centralidade institucional do Estado (ou seja, associado à sua capacidade em fazer aquilo a que está destinado), dando destaque ao modelo desenvolvido pelo Cientista Político Francis Fukuyama, hoje Professor da Stanford University, nos EUA.

No entanto, no discurso acadêmico e nos círculos do “policy-making process” o conceito de Governança se tornou central no final dos anos 80 e início dos anos 90 do século passado, quando a morte da “ordem do mundo bipolar” (Estados Unidos versus União Soviética) prenunciou a emergência de novas estruturas políticas, atores e mecanismos de governo ignorando categorias tradicionais do Estado e autoridade central. Neste contexto, como apontado em (1), o termo Governança ganhou proeminência como um enfoque teórico e um conceito que congregava os diferentes aspectos daquela transformação do poder do Estado.

Com a escalada da “Global War on Terror” (Guerra Global ao Terrorismo) no início do novo milênio (depois do atentado de 2001 nos EUA), o Estado reemergiu como um ponto de referência conceitual nas relações internacionais. A comunidade internacional começou a endereçar o problema da “Fraqueza do Estado”, e trouxe de volta a discussão sobre medidas relacionadas com as condições do Estado. A percepção das ameaças reforçou a busca por bons instrumentos e indicadores de governança, e, por conseguinte, a interligação entre as duas arenas conceituais de Governança e Estatidade. Como resultado, muitos praticantes e scholars relacionaram diretamente “fraqueza do estado” com o discurso de governança (1).

O argumento que pretendemos defender é o de que o debate acima (de um pseudo antagonismo entre Governança versus Estatidade) perde sentido porque deixa de levar em consideração um fato singular e radical na história recente da humanidade (e que emergiu exatamente no período referido): a evidenciação da nova dimensão Digital da Sociedade, da Economia e da Política. Com o surgimento da Internet, ou seja, da vida digital a partir das redes de computadores, o mundo passou a contar com um novo espaço de relações pessoais, sociais, institucionais, políticas e de negócios.

Esta nova dimensão digital da vida introduz uma nova arena de relações, e, por conseguinte, de relações de poder que precisam ser incorporadas no tratamento das questões do Indivíduo, da Sociedade, do Mercado e do Estado (como instituições sociais), e, por seu turno, das questões de Estatidade e de Governança (como categorias de análise). Daí porque advogamos a necessidade de termos que incorporar novos conceitos ao nosso debate, tais como os de Governança Digital, Estatidade Digital, e de Soberania Digital.

A Estatidade, tal como a conhecemos no contexto analógico, está evoluindo para acompanhar a velocidade e a profundidade da atual Transformação Digital. Neste sentido, há que se assumir a emergência de uma Estatidade Digital, que representa uma nova dimensão associada à Estatidade [que pode ser de cooperação, competição ou confronto (2), e (3)] para o contexto do Ambiente Digital.

O termo Governança é aqui tratado como uma agenda de pesquisa interdisciplinar sobre ordem e desordem, eficiência e legitimidade, todos no contexto da hibridização dos modos de controle que permitem a produção de ordem fragmentada e multidimensional no Estado, sem o Estado, e além do Estado (4). Já a Governança Digital trata das relações de Governança na dimensão digital, num mundo onde mais de 5 bilhões de habitantes já são usuários únicos de telefones móveis, quase 5 bilhões são usuários da Internet, e quase 5 bilhões são usuários ativos de mídia social (Figura 1 à frente).

Finalmente, por Soberania Digital, como já manifestado aqui na newsletter de 20-03-2022, entende-se o compromisso com a segurança dos seus cidadãos, serviços públicos, ativos e negócios no ciberespaço. Defender a Soberania Digital significa assumir um papel protetor baseado em valores centrais, tais como a Soberania Nacional, respeito à ordem democrática, liberdades civis, e cooperação entre Nações.

Todavia, gostaríamos de argumentar que nesta Era Digital que estamos vivendo, precisamos assumir que o conceito de Estatidade há que evoluir para o de Estatidade Digital (seja lá o que desejarmos que ele seja), e este haverá de conviver com o conceito de Soberania Digital. Entretanto, temos que entender a seguinte restrição: podemos assumir que Estatidade Digital e Soberania Digital tenham dimensões locais (ou seja, conceitos que podem ser circunscritos ao território Nacional), mas não podemos ignorar que a Governança Digital é, essencialmente, Global! Logo, legislar e regular na dimensão digital é algo diferente do mundo analógico!

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre Estatidade, Governança e Soberania Digitais, não hesite em nos contatar!

(1) Malito, Debora Valentina (2017). The Creative Disorder of Measuring Governance and Stateness. In, The Palgrave Handbook of Indicators in Global Governance. Palgrave Macmillan.

(2) https://www.old.creativante.com.br/newsletter/2021/a-estrategia-internacional-dos-3cs-cooperacao-competicao-e-confronto-1

(3) Podolian, Olena (2020). The Challenge of Stateness in Estonia and Ukraine. Doctoral Dissertation, Sodertorn University. Sweden.

(4) Levi-Faur, D. (Ed.) (2012). The Oxford Handbook of Governance. Oxford University Press.

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