Vivemos tempos complexos e transientes! Do ponto de vista econômico, acostumamo-nos a ter como referência o Ocidente, e a partir deste, os Estados Unidos como centro hegemônico emanando “hard power” (poder duro, exemplificado pelo poder militar) + “soft power” (poder brando, espelhado em aspectos culturais) + “cyber power” (emergindo do poder cibernético, Internet incluída) como identificou o Prof. Joseph S. Nye Jr, da Kennedy School of Government, da Harvard University (ver newsletter de 29-04-2012).

Mas o mundo mudou, e dentre tais mudanças podemos destacar o reconhecimento da “financial power” (poder financeiro), em função das várias inovações financeiras que ocorreram no sistema financeiro internacional a partir dos anos 1980s, e, ao lado disso, o impacto da entrada da China na Organização Mundial do Comércio – OMC, em 2001.

Depois de termos atravessado a primeira grande crise do século 21 (com a chamada “Grande Crise Financeira – GCF” de 2008), termos superado a epidemia da COVID 19 (2020/21), e estarmos convivendo com o início de uma “crise bancária” (2023), estamos começando a perceber que a presença da China na cena internacional não se restringe ao seu imenso poder industrial e comercial, mas avança sorrateiramente no palco das finanças internacionais.

Em meio a um cenário de incertezas sobre se a atual crise bancária é puramente restrita a alguns bancos, ou se é um dos primeiros sintomas de “pontos de estrangulamento” no “encanamento financeiro internacional” (ver newsletter de 20-03-2023), eis que surge um trabalho apontando para um novo dado da realidade: a China como um credor internacional de última instância!

O trabalho, cujo título é o desta newsletter, publicado pelo Kiel Institute For The World Economy (sediado na Alemanha), e assinado por Sebastian Horn, Bradley C. Parks, Carmen M. Reinhart, Christoph Trebesck, mostra que a China lançou um novo sistema global transfronteiras de empréstimos para recuperação de países em estresse de dívida.

Os autores produziram um primeiro banco de dados compreensivo sobre os resgates estrangeiros da China entre 2000 e 2021, e ofertaram novos discernimentos sobre o papel crescente da China no sistema financeiro global. Um achado chave do trabalho é que a rede alinhada de swaps (*) globais que o Banco Central da China estabeleceu está sendo crescentemente utilizada como um mecanismo de recuperação financeira, com mais de US$ 170 bilhões em suporte à liquidez estendida a países em crise, incluindo repetidas rolagens de swaps.

Os swaps reforçam reservas brutas e são em sua maioria desenhados por países estressados com baixas taxas de liquidez. Em adição, os autores mostram que os bancos e empresas estatais chineses cederam US$ 70 bilhões adicionais em recuperação de empréstimos para suporte ao balanço de pagamentos. Tomados em conjunto, os resgates estrangeiros da China correspondem a mais de 20 porcento do total dos empréstimos do Fundo Monetário Internacional – FMI ao longo da década passada, e as quantidades para outros resgates estão crescendo rápido.

No entanto, como assinalam os autores, os empréstimos para recuperação que a China está fazendo diferem daqueles dos estabelecidos emprestadores internacionais de última instância no sentido em que eles: (i) são opacos; (ii) carregam relativamente altas taxas de juros, e, (iii) são quase que exclusivamente voltados para devedores da iniciativa chinesa do “Belt and Road” (ver newsletter de 02-05-2021).

Em resumo, como apontado pelos autores, estes achados têm implicações para a arquitetura monetária e financeira internacional, a qual está se tornando mais multipolar, menos institucionalizada, e menos transparente.

Mesmo que o foco do trabalho resenhado tenha sido centrado em iniciativas associadas a uma estratégia geopolítica e comercial da própria China, outras iniciativas têm demonstrado que o papel da China não se restringe a este domínio. Basta apontar para iniciativas recentes que estão sendo levadas à efeito, por exemplo, pelo governo brasileiro, como a de exportar sem necessariamente utilizar o dólar norte-americano nas transações comerciais!

Muita coisa ainda vai rolar nesta “nova arquitetura do sistema financeiro internacional”, particularmente na dimensão digital das finanças. Mas isto é tema para outra discussão!

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre o desenho de uma nova arquitetura do sistema financeiro internacional, não hesite em nos contatar!

(*) Swap pode ser entendido como a operação financeira em que há uma “troca” nas posições, em relação ao risco e à rentabilidade entre os investidores. Os swaps podem ser do tipo cambial, de índices, de taxas de juros ou de commodities.

(A figura da newsletter foi desenvolvida com a ajuda do Dall-E 2, um sistema de Inteligência Artificial que cria imagens realistas e arte a partir de uma descrição de linguagem natural)