Na newsletter da semana que passou iniciamos uma discussão sobre a natureza cada vez mais globalizada da inflação, valendo-nos de um discurso proferido em Viena, na Áustria, em 11 de maio de 2022, por Isabel Schnabel, que pertence ao Conselho Executivo do Banco Central Europeu.

Como bem apontou a economista, há duas visões (que competem entre si) acerca do impacto da globalização sobre a inflação doméstica. Na realidade o que há é um “blame game” (jogo de “empurra/empurra” de quem é a culpa/responsabilidade) entre especialistas sobre a subida da inflação, indo de um forte retorno da demanda agregada, causado pelas respostas de políticas extraordinárias para o combate à pandemia da COVID-19, até as restrições de oferta global e as ondas de choques através dos mercados internacionais de commodities disparadas pela invasão da Rússia à Ucrânia. Em resumo: se a inflação é uma inflação de demanda ou de oferta! (*).

Na exposição da Isabel Schnabel ficaram evidentes alguns componentes (pelo menos cinco) do seu argumento sobre os determinantes da globalização da inflação. Primeiramente, há um grande hiato entre a área do Euro e os EUA quando se observa as medidas de inflação que excluem energia e alimentos. Em segundo lugar, choques comuns e transbordamentos por choques idiossincráticos estão guiando a sincronização global de preços.

A sincronização global de preços não é um fenômeno novo. Mas, em uma economia cada vez mais integrada globalmente, a inflação pode se “co-mover” (mover-se combinadamente) ao longo das economias por duas razões: tanto por conta de choques comuns que atinjam todos os países simultaneamente, mesmo que não simetricamente, tais como os choques do petróleo dos anos 1970s, ou por causa de choques idiossincráticos ou regionais, tais como a crise financeira asiática de 1997, ou a crise da dívida soberana da área do Euro de 2012, que foram grandes o suficiente para afetar o produto e os preços ao redor do mundo. Hoje nós estamos vendo ambas as forças operando.

Neste âmbito, estamos observando dois processos associados: a riqueza das famílias (a partir de acúmulo de poupanças) está impulsionando o poder de precificação das corporações, e o excesso de demanda global está empurrando os preços ao redor do mundo. O primeiro processo é percebido através de duas vias: uma é através de uma dinâmica de preços particularmente forte nas indústrias de serviços de contato intensivo (restaurantes, cinemas e outros provedores que estiveram aumentando seus preços à medida que as economias se reabriram pós pandemia). Na outra via, podemos ver que o aumento no poder de precificação das corporações está relacionado com a extensão pela qual a subida dos preços de commodities é repassada aos preços ao consumidor final. O segundo processo observado está associado a como os consumidores de diferentes países estiveram gastando as grandes transferências fiscais e excesso de poupanças, e como isso foi derramado para outras economias.

Em terceiro lugar, os preços em ascensão mitigaram o choque do comércio internacional e impulsionaram os lucros corporativos, e isto levou a duas implicações sobre o bem-estar. A primeira é que a área do Euro estava sofrendo menos pelo então (de um ano atrás – data do discurso da economista) choque negativo dos termos do comércio do que se poderia pensar à primeira vista. A segunda é que as muitas empresas estiveram aptas a expandir seus lucros em um ambiente de excesso de demanda global apesar da subida dos preços de energia.

O quarto componente, segundo a economista, diz respeito à persistência do choque implicar em pressões de subida de preços. O que as empresas irão fazer com os lucros acima citados, e como elas evoluirão no futuro, conformará o caminho da economia e daí o curso da ação para a política monetária. Para Schnabel, dois cenários podem levar a pressões de preços: a) no primeiro cenário as empresas estarão aptas a manter altas margens de lucro ao longo do tempo, um cenário, que segundo ela, mostra-se improvável; e, b) no segundo cenário, altos lucros farão surgir mais altas remunerações salariais.

Por último, a normalização da política monetária passou a se tornar mais urgente. Para a economista, os riscos estavam subindo de que a presente (em ascendência na época do discurso) alta inflacionária estivesse se tornando entrincheirada nas expectativas. Nos mercados financeiros os investidores estavam (como ainda estão hoje) demandando compensação maior pelo risco da inflação de médio prazo se tornar maior que o alvo da área do Euro (de 2%). De forma similar, a mais recente (à época) pesquisa de expectativas dos consumidores mostrou que as expectativas médias para inflação três anos à frente, as quais eram firmemente ancoradas no alvo de 2% através da pandemia, aumentaram para 3% em março do ano passado.

Tudo isso, afirmou a economista, implica que as autoridades (como a do Banco Central Europeu, ao qual a economista pertence) devem reforçar sua determinação e compromisso em proteger seus mandatos primários de estabilizar a economia. Para ela, manter as expectativas de inflação ancoradas não necessariamente requer política monetária para suprimir a demanda doméstica. Ao contrário, para a política monetária permanecer crível no presente ambiente, ela (a própria política) não deve ser uma fonte inflacionária!

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre globalização da inflação, não hesite em nos contatar!

(*) No Brasil o “blame game” sobre o determinante da subida recente da inflação no país pode ser identificado em artigos como os intitulados “Inflação de demanda” (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2023/05/inflacao-de-demanda.shtml) de 06/05/2023, e “Inflação de demanda?” (https://valor.globo.com/opiniao/coluna/inflacao-de-demanda.ghtml) de 24/05/2023.