O ano de 1971 foi marcado pela decisão do governo dos EUA de fechar a Gold Window (Janela de Ouro) através da qual dólares poderiam ser convertidos em ouro a um preço fixo. Em 2021, ao completar 50 anos daquela decisão, uma enxurrada de artigos emergiu comparando o sistema monetário internacional de Bretton Woods (desenhado a partir de 1944 e alterado em 1971) com o atual “não-sistema”, como apontou recentemente o Prof. Barry Eichengreen invocando este termo cunhado pelo economista John Williamson em 1977.
Como salientado por Saifedean Ammous em seu livro de 2021 intitulado “The Fiat Standard: The Debt Slavery Alternative to Human Civilization” (O Padrão Fiat: A Alternativa à Escravidão da Dívida para A Civilização Humana), aquela decisão do governo estadunidense colocou o mundo no Sistema Monetário Fiat, ou no Padrão Monetário Fiat, onde o termo “fiat” deriva do Latin, significando “decreto”, “autorização”. Neste sistema a moeda não é lastreada por uma mercadoria, e ela é declarada por uma pessoa, instituição ou governo. Ou seja, a “garantia” é o governo “quem dá” (no caso a autoridade monetária, como Banco Central).
O objetivo desta newsletter é apontar breve (e inicialmente), ao contrário do Prof. Eichengreen, que nós não estamos convivendo com um “não-sistema”, mas sim com uma transição evolutiva de um padrão monetário (o “Padrão Fiat”) para outro padrão que nós estamos denominando de “Padrão Monetário Tecnológico – PMT” (ou, em inglês, Technological Monetary Standard - TMS).
Para tanto nos valemos de três pilares fundacionais. Primeiramente, partimos da tese do livro acima de Saifedean Ammous, que explorou o sistema (ou padrão) monetário fiat como uma tecnologia, de uma perspectiva funcional e de engenharia, delineando seus propósitos e modos de falhas comuns, e derivando amplas implicações econômicas, políticas e sociais do seu uso. O autor adotou este enfoque ao escrever seu hoje best seller de 2018, intitulado “The Bitcoin Standard” (O Padrão Bitcoin).
No livro “The Fiat Standard”, Ammous definiu “fiat” (ou o padrão fiat) como a implementação compulsória de uma tecnologia de “livro-razão” (ledger) centralizado baseada em dívida, que monopoliza serviços financeiros e monetários mundo afora. A principal característica de engenharia do sistema fiat é que ela trata promessas futuras de pagamento de moeda como se elas fossem tão boas quanto moeda presente, desde que elas sejam emitidas pelo governo, ou por uma entidade garantida por uma licença pelo governo.
O segundo pilar é aquele da abertura/descentralização, que foi, de alguma forma, delineado pela engenheira e consultora de estratégia de investimentos Lyn Alden em seu artigo intitulado “Implications of Open Monetary and Information Networks” (Implicações das Redes Monetária e de Informação Abertas). A tese da Lyn Alden é a de que para os proponentes de redes abertas e de privacidade vencerem, a tecnologia deve ser fácil de usar, custosa para estampar, e bem entendida pelo público. Para tanto, ela caracteriza as diferenças entre o que chama de “closed-source money” (moeda de fonte fechada) e o “open-source money” (moeda de fonte aberta), entre “closed-source social media” (mídia social de fonte fechada) e “open-source social mídia” (mídia social de fonte aberta), além de questões sobre quais aplicações demandam consenso global, da combinação complexa de moeda e informação, e do campo de batalha da privacidade.
O terceiro, e último, pilar (que podemos chamar de “transição evolutiva”) se apoia na tese que foi definida pelo autor desta newsletter em seu livro “Effects of IT on Enterprise Architecture, Governance and Growth” (Efeitos da TI na Arquitetura Empresarial, Governança e Crescimento), publicado nos EUA em 2015. Neste livro argumentamos que para se analisar a dinâmica/evolução de uma empresa, organização ou instituição primeiramente precisamos observar sua arquitetura constitutiva (dos pontos de vista corporativo e de tecnologia – digital, marcadamente), como esta arquitetura conforma a sua governança, e como a agenda de governança afeta os determinantes de seu crescimento.
Neste sentido, o que estamos observando, na transição do Padrão Fiat para o Padrão Tecnológico Monetário – PMT, é que estamos ainda no estágio de redefinição da arquitetura no novo sistema monetário internacional, onde percebemos uma “competição” entre três ecossistemas tecnológicos: a) o surgimento do ecossistema DeFi – Decentralized Finance (protagonizado pela maturidade das tecnologias do mundo da criptografia, evidenciado por moedas digitais tais como Bitcoin e Ethereum, e pela evolução da economia tokenizada); b) a reação do ecossistema CeFi – Centralized Finance à emergência do DeFi, a partir de iniciativas como a CBDC- Central Bank Digital Currency – Moeda Digital do Banco Central); e, c) a dinâmica do ecossistema PlatFi – Platform Finance, protagonizado pela inserção das grandes plataformas digitais no mundo das finanças.
Uma vez que nós percebamos como esta arquitetura (corporativa e digital) evoluirá internacionalmente, e como ela irá progredir em sua dimensão de governança internacional, vencendo as batalhas do entendimento do público em geral, e enfrentadas as complexas questões de privacidade, aí poderemos ter mais condições de avaliar a dimensão do desempenho/crescimento do novo Padrão Monetário Tecnológico.
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre o novo “Padrão Monetário Tecnológico”, não hesite em nos contatar!