Logo na introdução ao livro “Evolution or Revolution: Rethinking Macroeconomic Policy after the Great Recession (Evolução ou Revolução: Repensando Política Macroeconômica depois da Grande Recessão), publicado pela MIT Press em 2019, seus autores, os Profs. Olivier Blanchard e Lawrence Summers, reconheceram um fato relevante: a crise financeira (de 2007/2008) forçou os macroeconomistas a (re)descobrirem o papel e a complexidade do setor financeiro, e a importância dos desenvolvimentos financeiros, incluindo crises financeiras, em afetar a atividade econômica.

De fato, muito se tem escrito e comentado acerca de inovações científico-tecnológicas, inovações em modelos de negócios, mas ainda muito pouco se sabe sobre inovações financeiras (determinantes, ou resultantes, dos dois conjuntos de inovações citados), particularmente aquelas que se desenvolveram na segunda metade do século 20.

Uma prova concreta deste hiato de conhecimento é a leitura atenta do livro intitulado “Collateral Markets and Financial Plumbing” (Mercados de Garantias e Encanamento Financeiro), publicado por Manmohan Singh, economista do Fundo Monetário International, publicado em 2019, e com uma terceira edição em 2020.

Neste livro, o autor levanta a crescente importância do “collateral” (garantia) nas transações financeiras, como resultado de anos de análises consistentes da dinâmica do mercado de garantias, e sua implicação para os mercados financeiros e para a política monetária. Collateral é algo (um ativo) que um tomador de empréstimo se compromete com um emprestador para assegurar certos tipos de empréstimos. Se o tomador não paga, o emprestador fica com o collateral (a garantia) (ver Figura 1 à frente).

O autor facilita o entendimento de como os elos entre os vários agentes no setor financeiro – bancos, fundos de mercado de moeda, fundos de hedge e outras instituições financeiras não-bancárias – dependem de collateral. Ele mostra que o uso de collateral quase que obriga o leitor a revisitar a noção de leverage (alavancagem). Além disso, ele demonstra que o conceito de collateral velocity (velocidade da garantia) pode ser tão importante quanto o conceito bem estabelecido de velocidade da moeda (dinheiro).

A grande questão nesta discussão é a de que o mercado por collateral é global. O autor mostra como isto nem sempre tem sido apreciado, e porque isto torna o entendimento do modelo de negócio global dos bancos custodiantes como o mais importante. Ele clarifica a razão pela qual qualquer desenlace no balanço patrimonial do banco central (ou outros ajustes de balanço patrimonial) que ocorra nas economias avançadas terá transbordamentos imediatos para os mercados emergentes. O que implica que os mercados emergentes devam usar ferramentas adicionais – controle de capital e/ou políticas macroprudenciais – para complementar suas políticas monetárias e ferramental de estabilidade financeira.

Outro aspecto relevante trazido pelo livro é o reconhecimento de que a organização industrial do mercado por collateral é raramente uma questão analisada. O autor explica como existem poucos custodiantes globais, e como eles mantêm a custódia do bolo do collateral global, e como seu modelo de negócio opera. Ele torna claro que novas regulações afetam a demanda e a oferta de collateral, com impactos que vão além do espaço do collateral. Ele mostra como, além de outros players, incluindo o setor oficial e muitas instituições financeiras não-bancárias, os custodiantes globais são importantes por si sós.

O autor explica que um importante aspecto, nem sempre apreciado completamente, são os entrelaçamentos entre o mercado de collateral e os mercados de derivativos OTC – Over the Counter) (ou seja, os mercados balcão). Isto, por seu turno, faz emergir os vínculos entre mercados de collateral, os mercados de derivativos OTC e os chamados central counterparties (CCPs). Os elos surgem por conta do que se pode fazer sob collateralisation (garantização) no mercado de derivativos OTC.

Adicionalmente, o autor trata sobre como a tecnologia pode mudar a provisão de serviços financeiros, notadamente os sistemas de pagamentos, e, portanto, o papel do collateral. Muitos concordam que tecnologias tais como inteligência artificial, big data, computação distribuída, criptografia, a Internet e o acesso móvel, levarão a muitas mudanças na indústria financeira, notadamente através dos novos sistemas de pagamentos no atacado e no varejo. No entanto, como esses desenvolvimentos tecnológicos irão afetar o mercado por collateral é algo que é difícil de prever. Respostas de políticas, incluindo a possível introdução de uma central bank digital currency – CBDC (moeda digital do banco central), irão afetar muito as mudanças à frente.

Em resumo, eis aí um livro extraordinário, que nós da Creativante aconselhamos fortemente para aqueles interessados em conhecer a complexidade dos escaninhos, ou “tubulações”, do encanamento financeiro desenvolvido ao longo das últimas décadas. Para que se tenha uma ideia final do que seria uma ilustração do “encanamento financeiro” antes da crise de 2007/08 e depois dela, à frente seguem duas figuras (Figura 2 e Figura 3) produzidas pelo autor em trabalho anterior de 2014, mas que retratam bem a metáfora do “encanamento”.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre “encanamento financeiro” e suas implicações, não hesite em nos contatar!

 

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