Na semana que passou o Presidente da República sancionou o PL 19/2020, criando a Lei 14.968. Esta lei aperfeiçoa a política industrial para o setor de tecnologias da informação e comunicação - TICs e para o setor de semicondutores; adequa o prazo de concessão de incentivos e de estímulo à tecnologia nacional; cria o Programa Brasil Semicondutores (Brasil Semicon); e altera o Decreto-Lei Nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, e as Leis Nºs 8.248, de 23 de outubro de 1991, 11.484, de 31 de maio de 2007, e 13.969, de 26 de dezembro de 2019. A nova lei prorroga os incentivos fiscais para a indústria de TICs para até o ano de 2029 (*).
Se consideramos que a Lei 8.248, de 23 de outubro de 1991, a conhecida “Lei da Informática”, foi o primeiro instrumento efetivo de incentivo ao setor de TICs (já que dispunha sobre a capacitação e competitividade do setor de informática e automação, e alterava a Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984, que havia criado a política nacional de “Reserva de Mercado da Informática”), é possível contabilizar que o setor de TICs do Brasil vem sendo incentivado há pelo menos 33 (trinta e três anos).
Logo, a pergunta do título desta newsletter sobressai: A indústria de tecnologias de informação e comunicação – TICs ainda precisa de incentivos? Esta não é uma pergunta fácil de responder, mas podemos tentar contribuir para esta discussão de forma agregada, analisando a indústria brasileira como um todo.
Sendo assim, podemos nos voltar para aqueles que estudam a indústria brasileira há muitos anos, e, desta forma, recorremos aos trabalhos recentes do economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, e membro da Academia Brasileira de Letras. Em seu último trabalho, intitulado “Why Did Brazil Deindustrialize So Much?An Empirical Investigation” (Por que o Brasil se desindustrializou tanto? Uma Investigação Empírica), de 19-08-2024), o Prof. Bacha e coautores se perguntam (observação também publicada no jornal Valor Econômico de 17-07-2024):
“Entre 1995 e 2022, a participação da indústria de transformação na economia brasileira desabou. Em preços constantes, em 1995 ela respondia por 14.5% do PIB, mas em 2022.1 somente por 9,1%, uma queda de 5,4 pontos percentuais (pp), ou 37%. O que explica esse enorme encolhimento?”
Os autores examinaram as possíveis causas para tão forte desindustrialização. Eles consideraram três hipóteses. A primeira é que a desindustrialização do Brasil é um caso de “Doença Holandesa” (**); a segunda é que o país desindustrializou prematuramente; e a terceira é que a indústria do Brasil é um caso peculiar da “doença do baixo crescimento da produtividade de Baumol” (***).
No trabalho eles apresentam a evolução da participação da indústria no PIB, e seus possíveis determinantes, de acordo com as três hipóteses. A análise econométrica conduzida no trabalho revela a importância das hipóteses da “doença holandesa” e da desindustrialização prematura, mas aponta para o declínio relativo da produtividade como o principal fator por trás da desindustrialização do Brasil. Os resultados sugerem que o foco da análise da desindustrialização deve mudar das participações setoriais no PIB para as produtividades relativas setoriais.
Ou seja, de acordo com o Prof. Bacha (no seu artigo no jornal Valor) devemos esquecer a desindustrialização prematura, a doença holandesa, ou o que mais seja, uma vez que o problema a ser desvendado não é porque a parcela da indústria do PIB caiu, mas sim, porque a produtividade relativa da indústria desabou. O problema é esse, mais complexo.
Mas o Prof. Bacha nos chama atenção para o seguinte fato. Ao tempo em que observamos uma enorme queda da produtividade relativa da indústria entre 1995 e 2022, constatamos um extraordinário aumento da produtividade relativa da agricultura. Em 1995, a produtividade relativa da agricultura era apenas 22% da produtividade média da economia; desde então, não parou de crescer: em 2023, já era igual a 94% da média.
Logo, a pergunta do Prof. Bacha: por que a agricultura conseguiu se modernizar, mas a indústria não? Para ele, pode ser que parte da resposta esteja no mercado em que uma e outra miraram. A agricultura mirou o mercado internacional e hoje concorre com sucesso com as potências agrícolas mundiais. Já a indústria continua a mirar o próprio umbigo, ou seja, limita-se a vender com preços surreais seus produtos quase que exclusivamente para o mercado interno, e só consegue exportar alguma coisa com valor adicionado significativo para a Argentina. E sempre com muita proteção contra a entrada de produtos estrangeiros.
E continua: “Limitada ao mercado interno, pequeno para os padrões mundiais, a indústria não alcança a escala necessária para a adoção de tecnologias de última geração, nem sofre pressão para o desenvolvimento de novas tecnologias. O pouco que ela produz, ela venda – porque o mercado é protegido”.
Em resumo, temos muito ainda a entender se, e como, a indústria de TICs se enquadra neste contexto apontado pelo Prof. Bacha e coautores. Sendo assim, não nos posicionamos contra os incentivos a esta indústria, mas nos preocupamos se tais incentivos estão “mirando a direção correta”!
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre incentivos à indústria, não hesite em nos contatar.
(*) Os demais instrumentos alterados dizem respeito à Zona Franca de Manaus - ZFM.
(**) Doença Holandesa – Fenômeno observado numa economia que resulta de um aumento sustentado nas receitas de setores de recursos naturais (como o petróleo). O mecanismo hipotetizado é o de que a moeda brasileira aprecia contra as moedas estrangeiras à medida que as receitas dos recursos naturais aumentam. Isto torna as exportações de manufaturados mais caras para outros países comprarem, enquanto as importações se tornam mais baratas, tornando a manufatura doméstica menos competitiva como um todo.
(**) Doença do baixo crescimento da produtividade de Baumol – O economista norte-americano William Baumol, em trabalho de 1967, apontou que setores de alto crescimento da produtividade (tais como a indústria nos EUA) tendem a encolher, e setores atrasados (tais como serviços nos EUA) tendem a crescer como participação no PIB a preços correntes.