Na newsletter da semana que passou iniciamos uma série para argumentar que estamos ficando saturados de teorias, e teorias e modelos econômicos em particular, que já não estão ajudando muito na compreensão dos contextos que estamos vivenciando neste século XXI, e que isso pode ter muito a ver com o hiato entre tais teorias e modelos e a dinâmica das transformações nos contextos das realidades socioeconômicas de um mundo cada vez mais complexo, globalizado e integrado por redes, e agora mediado por relações tanto humanas quanto não-humanas (i.e., por algoritmos, assistentes e agentes inteligentes, processos automatizados, robôs etc.).

E para a defesa deste argumento, decidimos tomar como unidade de análise duas correntes do pensamento econômico brasileiro: ou seja, decidimos focar no debate entre aqueles que se identificam com o liberalismo econômico e aqueles que se autointitulam como pertencentes ao campo do desenvolvimentismo econômico. Para tanto, vamos iniciar nesta newsletter com os principais pilares do pensamento econômico relacionados com o “mainstream econômico” (aqui reconhecido como mais associado ao “liberalismo neoclássico econômico”).

Segundo o Prof. Robert J. Aumann, Prêmio Nobel de Economia de 2005, a hipótese da racionalidade – de que as pessoas agem para promover seus interesses – está subjacente à grande parte da teoria econômica (a “mainstream economics” – ME - economia principal), e certamente, à Ciência Econômica como um todo. A política econômica gira largamente em torno da criação de incentivos para as pessoas agirem como o policymaker gostaria; e agir de acordo com os incentivos é, certamente, agir racionalmente (1).

Nos cursos em Economia Básica, em teoria dos preços, e em microeconomia, as temáticas giram em torno da maximização da utilidade, condições de primeira e segunda ordens, e por aí vai, i.e., racionalidade. Aplicações da teoria econômica a várias áreas tais como direito, criminologia, casamentos, patentes, saúde, finanças, pensões, esportes, o que desejar, são todas baseadas em otimização, i. e., racionalidade (1).

Mas, para uma boa parte de um século, a hipótese da racionalidade tem sido colocada em questão, ou modificada, de uma forma ou de outra. E aí, surgiu a “behavioural economics” – BE (economia comportamental): o estudo da irracionalidade sistemática (1).

Na prática, a “mainstream economics” - ME usa modelos matemáticos para estudar como agentes econômicos (consumidores, produtores, comerciantes, monopolistas, oligopolistas, ...) deveriam se comportar para maximizar seus interesses; a suposição implícita sendo a de que no mundo real, o “deveria”, de alguma forma, torna-se “faz” (1).

Em contraste, a BE usa pouca ou nenhuma matemática. Mais que isso, ela usa pesquisas e experimentos de laboratório para estudar diretamente não como as pessoas deveriam se comportar, mas como elas de fato se comportam. Em pesquisas, as pessoas são perguntadas como elas agiriam em certas situações ou como elas responderiam a certas questões; nos experimentos é observado como elas agem. Dúzias de heurísticas e “vieses” têm sido identificados: rules of thumb (critérios aproximados, ou regras práticas) que nas pesquisas levam a respostas patentemente incorretas – muitas ilógicas, e, nos experimentos, levam a comportamento patentemente subótimo (1).

Todavia, os maiores embates (ou os de maiores tensões) no pensamento econômico mundial não têm focado nas diferenças entre a ME e a BE. As maiores desavenças se instauraram a partir da Grande Depressão no início do século 20, e, marcadamente sobre a maior ou menor intervenção do Estado na Economia. E aqui podemos citar a controvérsia entre os economistas John Maynard Keynes (inglês) e Friedrich Hayek (austríaco, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia de 1974), que girou em torno de suas diferentes visões sobre intervenção econômica, ciclos de negócios, e o papel do governo na economia.

Os desacordos principais entre os dois economistas eram (2):

Teoria do Ciclo de Negócio

  • Keynes: Advogava pela intervenção governamental para estimular a demanda agregada durante recessões, argumentando que o subconsumo (gasto insuficiente do consumidor) causa desacelerações econômicas;
  • Hayek: Propunha a Austrian Business Cycle Theory – ABCT (Teoria Austríaca do Ciclo de Negócio), a qual postulava que a política monetária (criação de moeda pelo banco central) levava a um mau investimento e, em última instância, causava crises econômicas. Hayek argumentava que a intervenção do governo somente prolongava as recessões.

Política Monetária

  • Keynes: Dava suporte à política monetária expansionista (baixas taxas de juros, oferta de moeda aumentada) para estimular a atividade econômica;
  • Hayek: Opôs-se à expansão monetária, argumentando que ela cria booms artificiais, cria distúrbios na alocação de recursos, e leva à instabilidade econômica.

Intervenção do Governo

  • Keynes: Acreditava que a intervenção do governo é necessária para estabilizar a economia e para manter pleno emprego;
  • Hayek: Advogou intervenção limitada do governo, argumentando que ela pode levar a totalitarismos e à erosão das liberdades individuais.

Expectativas

  • Keynes: Enfatizou o papel da probabilidade e das expectativas racionais em conformar o comportamento econômico;
  • Hayek: Focou na importância as expectativas convencionais e no papel dos fatores psicológicos em conformar as decisões econômicas.

Debates Chave

  • A revisão de Hayek do livro de Keynes intitulado “A Treatise on Money” (Um Tratado sobre Moeda), argumentando que o livro carecia de uma teoria coerente da moeda e do crédito. Keynes não respondeu diretamente;
  • O livro “The General Theory of Employment, Interest and Money” (A Teoria Geral do Emprego, Juros e Moeda), o magnum opus de Keynes, respondeu às críticas de Hayek, e desenvolveu suas próprias teorias sobre demanda agregada e o papel do governo;
  • O debate dos anos 1930s: Hayek e Keynes se engajaram em uma série de trocas em jornais acadêmicos, com Hayek criticando as visões de Keynes sobre política monetária e intervenção governamental.

Legado

  • O debate Keynes-Hayek tem tido um longevo impacto no pensamento econômico, com ambas as teorias influenciando subsequentes desenvolvimentos em Macroeconomia. A economia Keynesiana enfatizou a intervenção governamental e a política fiscal, enquanto a economia Hayekiana iluminou os perigos do planejamento central e a importância da liberdade individual.

Reavaliação

Em anos recentes, alguns economistas têm reavaliado o debate Keynes-Hayek, argumentando que a Teoria Austríaca do Ciclo de Negócio provê uma explicação mais acurada das crises econômicas, e que as políticas Keynesianas podem exacerbar problemas, mais do que resolvê-las. No entanto, o debate permanece contencioso, e ambas as teorias continuam a conformar a política e a pesquisa econômicas (fim da consulta ao LEO).

No caso brasileiro, este debate foi, de alguma forma, apropriado não num contexto de depressão econômica, mas sim num contexto de surgimento retardatário e de avanço da industrialização do país, e mais especificamente, no pós-II Guerra Mundial. Desta forma, o que é possível observar ex-post, é que o debate ficou embebido nas nuances da discussão do que seria o “desenvolvimento econômico” (ou seu inverso, “subdesenvolvimento”) do país, fazendo surgir uma apropriação mal delineada/resolvida entre as áreas teóricas da Macroeconomia e Desenvolvimento Econômico.

Ou seja, enquanto Macroeconomia e Desenvolvimento Econômico lidam com questões econômicas, a primeira área foca na economia como um todo e no crescimento econômico em países desenvolvidos, ao passo que a segunda mira desafios e oportunidades específicos em países em desenvolvimento, almejando promover desenvolvimento econômico sustentável e redução de pobreza. Esta demarcação foi amplamente confundida na grande maioria dos países da América Latina no pós-II Guerra Mundial.

No entanto, o maior desafio da “mainstream economics” (depois da Grande Depressão dos anos 1920/30s) se deu no contexto da Grande Recessão, com a crise financeira dos anos 2007/08. Em livro lançado em 2019, intitulado “Evolution or Revolution: Rethinking Macroeconomic Policy After the Great Recession”, seus editores, os Profs. Olivier Blanchard e Larry Summers, figuras expoentes da “mainstream economics”, fazem quase um “mea culpa”, apontando para as principais lições da crise de 2008, a saber:

  1. A Centralidade das Finanças;
  2. A Natureza das Flutuações;
  3. As Baixas Taxas de Juros.

Segundo aqueles editores, uma vez entendido isso, é fundamental, argumentam eles, se passar para a nova compreensão das políticas macroeconômicas, que agora devem incorporar três pilares:

  1. Política Monetária;
  2. Política Fiscal;
  3. Política Financeira (e surgem também as políticas macroprudenciais).

Em resumo, diante de um novo contexto como o que atualmente estamos vivenciando, com um mundo cada vez mais complexo, globalizado e integrado por redes, e agora mediado por relações tanto humanas quanto não-humanas (i.e., por algoritmos, assistentes e agentes inteligentes, processos automatizados, robôs etc.), constatamos que os pilares do “mainstream econômico” além de terem sido mal absorvidos no país no século passado, foram assumidos sem, por exemplo, levar em consideração a importância estratégica das Finanças para a Macroeconomia, e, depois de 2008, ainda mal reconhecendo as recentes inovações no que chamamos de Finanças Digitais.

Na próxima newsletter vamos apontar para os principais pilares do que aqui no Brasil se denomina por “desenvolvimentismo econômico”, uma corrente do pensamento que se contrapõe ao “mainstream econômico”.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre uma visão informacionista do avanço (ou progresso) socioeconômico, não hesite em nos contatar!

  1. Aumann, Robert J. (2019). A synthesis of behavioural and mainstream Economics. Nature Human Behaviour | Vol 3 | July| 666–670.
  2. Informações obtidas pelo assistente inteligente LEO, do browser Brave.