Na newsletter da semana passada tratamos sobre o PNBL- Plano Nacional de Banda Larga, lançado em 05 de maio deste ano. Nela antecipamos que apesar das críticas que este plano vem recebendo, o que esta newsletter pretendia argumentar é que o maior problema que o PNBL irá enfrentar, diz respeito ao fato de que ele emergiu como uma manifestação de alguns anseios de apenas um segmento da economia nacional (e o que é mais agravante, protagonizada por uma iniciativa de uma única instância de governo), e não como parte, ou como complemento, de uma efetiva estratégia de desenvolvimento, no mais amplo sentido da palavra desenvolvimento!
Antes de prosseguir com a apresentação do argumento, é importante registrar a existência de recente documento elaborado por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada- IPEA, intitulado “Análise e recomendações para as políticas públicas de massificação de acesso à internet em banda larga”, publicado na série Comunicados do IPEA, de 26/04/2010, e que caminha na direção do argumento aqui levantando. Este documento teve como objetivo avaliar a defasagem brasileira no setor e fazer recomendações sobre políticas públicas de massificação do acesso em banda larga. O documento aponta que para efetivar este PNBL é necessário fortalecer várias políticas públicas de telecomunicações, tais como: a) Redesenho do arcabouço jurídico-regulatório das comunicações do país; b) Políticas para a redução de desigualdades regionais, para a inclusão de áreas rurais e de pequenos municípios; c) Políticas para a redução dos gaps de mercado e de acesso; d) Políticas para redução da carga tributária e dos custos dos investimentos; e) Defasagem tecnológica e gap de velocidade. Finalmente, os autores indicam que de nada adianta “priorizar a infraestrutura” e “deixar de lado” o aspecto da qualificação dos excluídos. Em síntese, por este documento o PNBL terá que ir bem mais além do que apenas propor a “ressureição” de uma estatal para a ampliação da atual oferta de infraestrutura de acesso a banda larga.
Vamos, então, ao que estamos denominando de efetiva estratégia de desenvolvimento. Brian Levy e Francis Fukuyama, em um artigo publicado para o Banco Mundial, publicado em janeiro de 2010, e intitulado “Development Strategies: Integrating Governance and Growth” (Estratégias de Desenvolvimento: Integrando Governança e Crescimento), apontam que há 5 (cinco) grandes dimensões do desenvolvimento, uma econômica, uma social e três políticas: a) crescimento econômico; b) desenvolvimento da sociedade civil; c) construção de estados; d) instituições políticas democráticas liberais; e, e) democracia eleitoral. De forma sintética, o crescimento econômico, no senso tradicional estreito, significa aumentar o Produto Interno Bruto - PIB per capita; uma moderna sociedade civil emerge quando grupos sociais entre famílias e o Estado são capazes de se organizar livremente com base em paixões e interesses compartilhados; a construção de estados envolve a definição da extensão territorial do estado e a extensão do alcance da capacidade do estado poder exercer poder sobre aquele território, além da criação de capacidade administrativa na forma de burocracias públicas. Nos estados estabelecidos, a construção de estados se refere à expansão das funções do estado, a melhoria da eficiência do estado na provisão de serviços ([1]), e o controle da corrupção oficial; enquanto a construção de estado envolve a concentração de poder nas mãos do estado, o estabelecimento de modernas instituições políticas limita este poder ao reduzir o uso discricionário da força pelo estado. A parte liberal da democracia liberal é o cumprimento da lei (the rule of law); o cumprimento da lei é a base para a proteção de uma esfera privada e dos direitos humanos individuais. Mas para que os direitos legais sejam universais é necessária a soberania popular através de eleições regulares de multi-partidos.
Estas 5 (cinco) dimensões são metas do desenvolvimento por elas mesmas, e, segundo nos apontam Brian Levy e Francis Fukuyama, elas podem existir, na sua maioria, independentemente umas das outras. Eles ainda indicam que há um sexto fator intangível que é crítico para o desenvolvimento, que é a credibilidade e legitimidade do estado. Credibilidade tem a ver com as expectativas que o governo irá fazer aquilo que promete; legitimidade tem a ver com o grau pelo qual os cidadãos de uma sociedade acreditam que o sistema como um todo é justo, e merece seu suporte (mesmo se eles discordam de certas políticas do governo).
Tomando como referência estas seis dimensões do desenvolvimento, é possível se estabelecer o seguinte quadro de indagações: a) Quê desenvolvimento é este que procura atender a um item de infraestrutura (a ampliação da oferta de serviços de banda larga) de uma sociedade, quando simultaneamente a mesma se vê caindo do já ruim 37º lugar em 2002, para o vergonhoso 88º lugar em 2009, no ranking educacional dentre 127 países, segundo a UNESCO? b) Quê garantias é possível se obter de um Estado, que tem uma das piores taxas de estatidade do mundo (o que concorre para sua baixa credibilidade e legitimidade), onde não consegue oferecer com eficiência seus serviços mais básicos, de que a ressureição da estatal Telebrás vai possibilitar a ampliação de uma oferta adequada (e a preços acessíveis) de serviços de banda larga? Com, ainda, um dos maiores graus de desigualdade social e regional do planeta, a quais planos nacionais de superação destas desigualdades o PNBL se vincula, e como? Por último, com a economia brasileira convivendo com uma delicada especialização regressiva recente, e uma concentração de suas vendas externas em produtos de baixo valor agregado e baixa intensidade tecnológica, como o PNBL se enquadra numa estratégia de crescimento econômico que considere este contexto?
Em resumo, esta newsletter considera que o PNBL é uma iniciativa meritória. Porém, como emergiu a partir de uma iniciativa isolada, que não se articula explicitamente com planos mais amplos de uma efetiva estratégia de desenvolvimento de superação de alguns dos sérios desafios do país, ela poderá ficar para a história como mais uma das boas intenções que se resumiram à meras intenções!
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber um pouco mais sobre estratégias de desenvolvimento, sinta-se a vontade para nos contatar!
[1] Em um pequeno livro publicado em 2004, intitulado “Construção de Estados”, Fukuyama apresenta o conceito de Estatidade, que é a efetiva capacidade do Estado cumprir a função para a qual foi destinado a realizar.