Nas newsletters dos dias 06-09-2020 e 13-09-2020 tratamos de Novas Teorias do Valor. Nesta newsletter de 13-09-2020 apontamos a preocupação da Profa. Mariana Mazzucato em procurar investigar os determinantes das diferenças entre as atividades criadoras de valor e as atividades extrativas de valor na economia. Na newsletter desta semana vamos tratar de uma nova área de conhecimento que tenta trazer luzes para a compreensão daquelas diferenças.

Neste sentido, vamos tratar de uma das questões contemporâneas mais candentes: nosso Ambiente (ou Meio Ambiente, como é conhecido no Brasil). O uso global dos recursos naturais tem atingido níveis sem precedentes, e se espera avançar ainda mais nas décadas vindouras. Como apontando em recente trabalho, os volumes do comércio internacional têm crescido rapidamente, à medida que os requerimentos domésticos por materiais (matéria-prima), energia, terras e trabalho têm sido preenchidos por fontes não-domésticas.

A advocacy (defesa) do comércio internacional é amplamente baseada na noção de que tais relações de comércio são economicamente benéficas para todos envolvidos. No entanto, essa perspectiva negligencia os aspectos materiais dos fluxos de comércio internacional.

Em contraste, a Teoria da Troca Ecologicamente Desigual - TTED explicitamente considera os aspectos materiais do comércio internacional e postula que há transferências assimétricas líquidas (incluindo trabalho) da periferia para áreas centrais do sistema econômico global. O foco exclusivo em fluxos monetários implica em desprezo por estas potenciais transferências desiguais de recursos biofísicos, tais como materiais, energia, terra e trabalho, incorporados em commodities e serviços comercializados entre regiões com diferentes “poderes econômicos”.

As nações de alta renda (o “centro” do sistema econômico global), argumentam os autores do trabalho, dependem de tecnologias industriais intensivas em recursos e infraestruturas cujo funcionamento eficiente é contingente das transferências anuais líquidas de recursos de áreas distantes (periféricas). Além do mais, nações de alta renda obtêm receitas significativamente maiores pelos recursos que elas exportam do que as nações mais pobres, o que é largamente devido às posições ocupadas nas cadeias de valor globais e seus respectivos papeis na economia mundial. A assimetria do comércio internacional, i.e., das transferências líquidas de volumes de recursos e valores monetários, é um determinante crucial da capacidade de nações individuais de acumular capital e infraestrutura tecnológica, e, portanto, de atingir crescimento econômico.

A TTED propõe que em adição às assimetrias de poder de mercado (reconhecidas na economia convencional) há transferências assimétricas negligenciadas de recursos biofísicos. A teoria argumenta que tais fluxos assimétricos de recursos são cruciais para a capacidade de cidades, nações, e regiões de acumularem infraestrutura tecnológica e atingir crescimento econômico.

A TTED não contradiz a definição de valor do mainstream (convencional) da Economia, como baseada no valor de troca (utilidade) determinado pelo mercado, mas adiciona que a inevitável atribuição de maior valor para commodities representando menor potencial produtivo remanescente (*), inexoravelmente leva às transferências assimétricas de recursos. Esta definição de troca desigual não sugere que avaliações de mercado sistematicamente negligenciam alguma medida de valor mais fundamental, como as teorias do valor trabalho e energia; mas, mais que isso, que elas (as avaliações) levam a um crescente empobrecimento ambiental em setores e regiões extrativas.

A TTED propõe que países ricos em poder econômico, tecnológico e militar são mais prováveis de ganhar acesso à recursos (materiais, energia, terra e trabalho) que são mais relevantes para atingir crescimento econômico, e para construir infraestrutura tecnológica. Como resultado, recursos fluem assimetricamente, com transferências líquidas das regiões mais pobres para as mais ricas.

A TTED aponta para diferenças fundamentais em como os recursos no planeta são compensados, i.e., recursos de regiões ricas são mais recompensados quando comparados àquelas regiões de mais baixa renda. Ambas tendências são previsíveis de terem um caráter auto perpetuador.

No trabalho aqui citado, os autores demonstram empiricamente a ocorrência de troca ecologicamente desigual, e argumentam que a teoria econômica deve reconhecer os aspectos materiais da economia em conformar a relação entre crescimento econômico e sustentabilidade.

Em resumo, a análise do trabalho aponta como o consumo em massa e o crescimento econômico em países de alta renda são sustentados por relações de trocas assimétricas com regiões mais pobres. E que trocas ecologicamente desiguais se apoiam e podem reforçar desigualdade econômica entre países. O crescimento econômico das regiões mais ricas é atingido através de alta taxa de transferência de massa e fardo ambiental concorrente nas regiões mais pobres. Os países mais ricos no mundo tendem a ser apropriadores líquidos de materiais, energia, terra e trabalho. Estarem aptos a gerarem os maiores valores adicionados e renda permite às ricas nações se apropriarem dos recursos em anos subsequentes, perpetuando relações de troca desiguais.

Ainda bem que esta consciência está sendo despertada nos países mais ricos (como os próprios autores do trabalho, cidadãos de países ricos)! E que a atual extração desigual de valor no mundo não parece ter mais garantias de sustentabilidade futura!

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre trocas ecologicamente desiguais, não hesite em nos contatar!

(*) Ou seja, apesar do comércio internacional ser frequentemente considerado como transações de mercado justas na escola neoclássica econômica, em tais transações o valor econômico é inversamente relacionado ao potencial produtivo: matérias primas com alto potencial produtivo o mercado estabelece preços baixos, e vice versa (as de baixo potencial produtivo o mercado estabelece altos preços).