Na newsletter da semana passada iniciamos uma discussão sobre o “Padrão Fiat”, o sistema monetário que passamos a adotar mundialmente a partir de 1971, e sobre o “Padrão Bitcoin”, que emergiu no epicentro da crise financeira de 2008, e que tem a pretensão de ser uma alternativa ao “Padrão Fiat”. 

Mas o que faz de Bitcoin ser um novo padrão monetário ao ponto de aspirar substituir o conhecido padrão fiat? Um desenvolvedor de software, ou grupo de desenvolvedores, sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto, apresentou a Bitcoin a uma lista de correio eletrônico de criptografia (em 2008), ou seja, introduziu um sistema de dinheiro eletrônico pessoa-a-pessoa “baseado em prova criptografada ao invés de confiança, permitindo quaisquer duas partes interessadas transacionarem diretamente um com outro sem a necessidade de um terceiro confiável”.

Com Bitcoin, pela primeira vez, valor pode ser transferido confiavelmente entre duas entidades distantes, sem a necessidade de um intermediário. Através de uma combinação inteligente de criptografia e teoria dos jogos, uma blockchain (uma rede de computadores que dá suporte à Bitcoin) – ou seja, um registro público distribuído de transações - pode ser usado por qualquer participante na rede para verificar de forma barata e estabelecer transações numa criptomoeda.

Mas além desta inovadora capacidade tecnológica de transferir valor confiavelmente, o que, na realidade, confere à Bitcoin a propriedade de Moeda/Dinheiro? Saifedean Ammous (autor dos livros The Bitcoin Standard e The Fiat Standard) foi buscar em Carl Menger, o Pai da Escola Austríaca de Economia, o entendimento da propriedade chave que leva a um bem ser adotado livremente como meio de troca (moeda) no mercado, que é a “salability” (saleability, ou liquidity – liquidez)(vendabilidade, em português), ou seja, a facilidade com que um bem pode ser vendido no mercado quando seu possuidor desejar, com a menor perda em seu preço.

Ao longo da história da humanidade muitas coisas serviram a função de moeda: ouro e prata, as mais notáveis, mas também cobre, conchas do mar, grandes pedras, sal, gado, papel emitido por governos, pedras preciosas, e mesmo álcool e cigarros (em alguns contextos). Como nos recorda Saifedean, a salability/vendabilidade de bens pode ser avaliada em termos de quão bem eles endereçam as três facetas do problema do “lack of coincidence of wants” (ou seja, a ausência de coincidência de desejos de duas partes que intencionam fazer uma transação): a) salability across scales (vendabilidade em escala); b) salability across spaces (vendabilidade no espaço - ou geografias), e, c) salability across time (vendabilidade no tempo).

Um bem que é salable across scales pode ser convenientemente dividido em pequenas partes ou agrupado em grandes unidades, permitindo o detentor vendê-lo em qualquer quantidade que desejar. A salability across space indica uma facilidade de transportar o bem ou conduzi-lo à medida que a pessoa viaja, e isto levou a um bom meio monetário geralmente ter um alto valor por unidade de peso. Uma boa salability across time se refere à sua habilidade de sustentar valor no futuro, permitindo ao detentor armazenar riqueza nele, o que é a segunda função conhecida da moeda: reserva de valor. Para um bem ser salable across time ele tem que ser imune à corrosão, podridão e outros tipos de deterioração.

Para um bem manter seu valor, é também necessário que a oferta do bem não aumente muito drasticamente durante o período em que o detentor o possua. Uma característica comum das formas de moeda na história é a presença de algum mecanismo que limite a produção de novas unidade do bem para manter o valor das unidades existentes. A relativa dificuldade de produzir novas unidades monetárias determina da dureza da moeda: moeda cuja oferta é difícil de aumentar é conhecida como hard money, enquanto easy money é a moeda cuja oferta é sujeita a grandes aumentos.

Sem aprofundar muito a este respeito, é possível dizer que um meio de troca não é adquirido por suas próprias propriedades, mas sim por sua salability. Além disso, uma ampla aceitação de um meio de troca permite que todos os preços sejam expressos em seus termos, o que o permite desempenhar a terceira função da moeda: ser unidade de conta.

E foi se utilizando da propriedade de salability (em suas três facetas: across scales, across space e across time) que Saifedean procurou mostrar porque o “Padrão Ouro”, vigente até 1971, não poderia continuar a ser um padrão monetário internacional, vindo a ser substituído pelo “Padrão Fiat” que temos utilizado até o presente momento. No entanto, pelas fragilidades que vem apresentando (particularmente a sua fraqueza em representar uma alta salability across time), é que se começa a aceitar o “Padrão Bitcoin” como uma alternativa economicamente viável ao “Padrão Fiat”.

A defesa do novo padrão não para por aqui. Há mais coisas a serem entendidas nesta transição (ou escolha) de padrão monetário. Mas tais detalhes ficam para outra oportunidade!

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre padrões monetários, não hesite em nos contatar!