Como apontado por Chris Dixon (sócio da empresa Andreessen Horowitz, uma das mais importantes empresas de venture capital do mundo), durante a primeira era da internet – dos anos 80 até meados dos anos 2000 – os serviços eram construídos sobre protocolos abertos que eram controlados pela comunidade internet. Isto significava que pessoas ou organizações poderiam crescer sua presença internet sabendo que as regras do jogo não seriam mudadas mais tarde. Com isso, “web properties” amplas (verdadeiras propriedades na web) foram iniciadas nessa era, incluindo Yahoo, Google, Amazon, Facebook, Linkedin e Youtube. No processo, a importância das plataformas centralizadas, tais como AOL, diminuiu.

Durante a segunda era da internet, de meados dos anos 2000 até o presente, companhias de tecnologia lucrativas – notadamente Google, Apple, Facebook e Amazon (conhecidas pelo acrônimo GAFA)(*), construíram software e serviços que rapidamente ultrapassaram as capacidades dos protocolos abertos. O explosivo crescimento dos smartphones acelerou essa tendência à medida que os aplicativos (apps) se tornaram a maioria do uso da internet. Eventualmente os usuários migraram dos serviços abertos para estes serviços mais sofisticados e centralizados. Mesmo quando os usuários ainda acessavam protocolos abertos como a web, eles tipicamente iriam fazer isso mediados pelos software e serviços do aglomerado GAFA.

Ainda segundo Dixon, a boa notícia é que bilhões de pessoas acessaram tecnologias fantásticas, muitas das quais usadas gratuitamente. A má notícia é que isso tornou mais difícil para startups, criadores e outros grupos crescerem sua presença na internet sem se preocupar com plataformas centralizadas mudando as regras do jogo para eles, afugentando suas audiências e lucros. Isso sufocou a inovação, tornando a internet menos interessante e dinâmica. A centralização também criou amplas tensões sociais, as quais se pode ver nos debates sobre fake news, bots financiados pelo Estado, a não “plataformização” de usuários, leis de privacidade, e vieses algorítmicos.

Uma resposta a essa centralização, como ressaltado por Dixon, é impor regulação para as grandes empresas internet. Esta resposta assume que a internet é similar às redes de comunicação do passado, tais como as de telefonia, rádio e TVs. Mas as redes baseadas em hardware do passado são fundamentalmente diferentes daquelas da internet, que são baseadas em software. Uma vez que redes baseadas sejam construídas, fica praticamente impossível rearquitetá-las. Já as redes baseadas em software podem ser rearquitetadas através de inovação empreendedora e forças de mercado.

Como bem colocado por Dixon, a internet é a mais avançada rede baseada em software, consistindo em uma relativamente simples camada central conectando bilhões de computadores totalmente programáveis na fronteira. Software é simplesmente a codificação do pensamento humano, e, como tal, tem um espaço ilimitado para desenho. Computadores conectados à internet são, num amplo sentido, livres para rodarem qualquer software seus proprietários desejem. Qualquer coisa que possa ser sonhada, com o conjunto certo de incentivos, pode rapidamente propagar ao longo da internet. A arquitetura da internet é onde a criatividade técnica e o desenho de incentivos se intersectam.

Dixon continua ao apontar que a internet ainda está em sua evolução: o core (centro) dos serviços internet irá ser quase inteiramente rearquitetado nas décadas vindouras. Isto será possibilitado pelas crypto-economic networks (redes cripto-econômicas), ou seja, uma generalização das ideias primeiramente introduzidas na criptomoeda Bitcoin (ver newsletter de 14-11-2021) e avançadas pela Ethereum (ver newsletter de 14-08-2016). As cryptonetworks combinam o melhor das funcionalidades das duas primeiras eras da internet: governadas por comunidades, e redes decentralizadas com capacidades que irão eventualmente exceder aquelas dos mais avançados serviços descentralizados.

O que podemos argumentar (a partir desta contribuição de Dixon) é que, de fato, estamos caminhando (graças às emergentes infraestruturas das cryptonetworks) rumo a uma sociedade cada vez mais descentralizada, como começamos a apontar na newsletter de 17-04-2022, e que voltamos a tratar nas newsletters de 18-09-2022, e de 25-09-2022. Falta-nos compreender, com mais profundidade, como serão desenhadas as “superestruturas” socioeconômicas que “governarão” a sociedade descentralizada que começa a ser constituída a partir dessas novas infraestruturas. Um dado oportuno e alvissareiro dessa nova trajetória, é o resgate do enfoque de comunidades para a construção dessa sociedade descentralizada, o que irá requerer um novo esforço de governança descentralizada, tal como começamos a tratar na newsletter de 28-11-2021.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre sociedade descentralizada, não hesite em nos contatar!

(*) Não podemos esquecer os esforços da Microsoft, bem como das plataformas asiáticas, como as da Alibaba e da Tencent.