Dois livros, “The Third Pillar: How Markets and the State Leave the Community Behind” (O Terceiro Pilar: Como Mercados e Estado Abandonam a Comunidade), publicado em 2019 pelo economista Raghuram Rajan, Professor de Finanças da Chicago University nos EUA (e ex-Presidente do Banco Central da Índia), e “Markets, State, and People: Economics for Public Policy” (Mercados, Estado e Pessoas: Economia para Política Pública), publicado em 2020 pela economista Diane Coyle, Professora de Política Pública da Cambridge University, na Inglaterra, editados em lugares e circunstâncias distintos, comunicam-nos uma mensagem importante: temos pensado, falado e escrito muito (isolada ou combinadamente) sobre Mercados e Estado, mas temos dado pouca atenção às Pessoas e Comunidades, e como elas afetam e são afetadas pelos Mercados e pelo Estado.

No primeiro livro, o Prof. Rajan nos aponta como estas três forças (estado, mercados, e nossas comunidades) interagem, bem como porque as coisas começaram a desmoronar nesta interação, e como nós podemos achar nosso caminho de volta a um plano mais seguro e estável. Segundo ele, o “terceiro pilar” é a comunidade em que vivemos. Economistas muito frequentemente entendem seu campo como uma relação entre mercados e o estado, deixando questões sociais “menos duras” para outras pessoas. Isso não é apenas miopia; é perigoso. Toda economia é uma socio economia – todos mercados são embebidos em uma teia de relações, valores e normas humanas.

Nesse momento, segundo o Prof. Rajan, nós estamos errando. À medida que os mercados escalam, o estado escala com eles, concentrando poder econômico e político em hubs centrais emergentes, deixando a periferia se decompor, figurativa e literalmente. Ao invés, o Prof. Rajan oferece uma maneira de repensar a relação entre o mercado e a sociedade civil, e argumenta por um retorno ao fortalecimento e empoderamento de comunidades locais como um antídoto aos crescentes desespero e agitações.

No segundo livro, a Profa. Coyle defende que qualquer decisão individual afeta outras pessoas porque nós vivemos em comunidades e sociedades. Logo, mesmo aqueles que argumentam por “menos” governo necessitam considerar como decisões coletivas são tomadas. Tradicionalmente, os mercados têm sido apresentados como uma alternativa: tanto o estado quanto o mercado provam ser os melhores caminhos de organizar uma dada atividade econômica ou conjunto de escolhas.

No entanto, de acordo com a Profa. Coyle, esta é uma maneira enganosa de pensar sobre como sociedades podem coletivamente usar os recursos disponíveis para atingir os resultados melhores possíveis para seus membros. Em cada município e comunidade, uma mistura de mercados privados, ação governamental, e organizações não-governamentais determina os resultados econômicos. Boas políticas públicas reconhecem que algumas vezes esses modos alternativos substituem uns aos outros, e algumas vezes dão suporte uns aos outros.

Apesar da mensagem em comum dos dois livros (o resgate das Pessoas e das Comunidades nas tomadas de decisões sobre alocações de recursos), um tema parece estar ausente nesta tentativa de reintrodução das pessoas ao centro do debate: as expectativas (de tais pessoas e comunidades) em relação ao futuro, e de como estão sendo imaginadas as suas relações com os mercados e o estado no futuro. Ou seja, precisamos introduzir no debate não somente como tomamos decisões hoje, mas como tais decisões afetam o futuro e como pensamos em construir o futuro.

De forma a tentar complementar o que foi, e é, competentemente defendido ao longo dos dois livros acima citados, valemo-nos do que em Economia é conhecido como a “A Teoria do Desenho de Mecanismos”(ver newsletter de 09-02-2020) . Muito do que é tratado em Economia está relacionado com considerar as instituições econômicas existentes, e tentar prever, ou explicar, os resultados que aquelas instituições proporcionam. É uma parte importante da Economia, e é chamada de “Economia Positiva”.

Todavia, o Mechanism Design(Desenho de Mecanismo) faz exatamente o oposto da “Economia Positiva”. Ao invés de começar com as instituições existentes e prever os resultados, em Mechanism Designnós começamos ao identificar os resultados que nós gostaríamos de ter, e, daí, nós trabalhamos “para trás” para descobrir quais instituições gerariam aqueles resultados.

Como comentado na newsletter da semana passada (de 18-09-2022), há um debate em curso que aponta para um futuro em direção a uma Sociedade Descentralizada. Ou seja, viemos de um período primitivo em que a sociedade era descentralizada, mas localmente situada. Com o advento da Agricultura e formas superiores de organização da produção, passamos a conviver numa sociedade centralizada, e, graças ao desenvolvimento da chamada “Tecnologia da Confiança”, temos hoje condições de conviver novamente em uma sociedade descentralizada, só que agora em bases globais.

Em outras palavras, com os avanços científicos e tecnológicos hoje é possível migrarmos de um contexto em que nos valemos historicamente de “human based trust systems” (sistemas de confiança baseados em humanos), que infelizmente não escalam, para um contexto de “technology based trust systems” (sistemas de confiança baseados em tecnologia), os quais podem escalar virtualmente sem limites, e podem nos proporcionar os pilares para uma sociedade descentralizada, só que agora, globalmente situada.

Neste sentido, em um contexto de uma sociedade descentralizada, parece óbvio que as relações entre pessoas/comunidades e mercados, bem como estado, tenderão a adquirir novos formatos. E os embriões desses novos formatos já começam a se constituir a partir de tecnologias como as de Blockchain e Distributed Ledger Technologies – DLTs, que estão permitindo a emergência dos smart contracts (contratos inteligentes) e das DAOs- Decentralized Autonomous Organizations (Organizações Autônomas Descentralizadas), i.e., novas instituições que só existem na dimensão digital, mas que já começaram a fazer parte das novas relações entre pessoas, mercados e estado.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre pessoas, mercados e estado, não hesite em nos contatar!