Entre os dias 21 e 23 de fevereiro próximo passado, a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, realizou em Paris, França, a “Internet for Trust” (Internet por Confiança), uma conferência para discutir um conjunto de rascunhos de guias globais para regular as plataformas digitais, de forma a salvaguardar a liberdade de expressão e o acesso à informação.

Apesar dos objetivos nobres da conferência (invocando até os padrões internacionais dos direitos humanos), a conferência se mostrou ingênua ao tratar uma questão tão importante sem considerar um aspecto mais que relevante para um profundo tratamento da temática: a estrutura e a dinâmica das hoje poderosas plataformas digitais, e os poderosos interesses estabelecidos das entidades que as administram: as hoje famosas “big tech companies” – BTCs.

A regulação das plataformas digitais, e das BTCs, é um tema novo tanto no contexto acadêmico quanto no ambiente profissional. Inovações tecnológicas no mercado de serviços financeiros, por exemplo, deram surgimento a novos produtos, novas formas de canais de entrega, e, mais importante, novos provedores, tais como as BTCs. Ou seja, além de seus produtos e serviços originais (baseados em dados e informação), as BTCs hoje extrapolaram suas atividades e são hoje provedoras de produtos e serviços financeiros.

Estes desenvolvimentos são a fonte de um número de oportunidades, mas podem apresentar certos riscos que necessitam ser endereçados por ação de “policy” (política) apropriada. Não foi por outra razão que, entre tantos trabalhos recentes, o BIS – Bank for International Settlements (o Banco Central dos Bancos Centrais), publicou, em outubro de 2022, o artigo “Big tech regulation: in search of a new framework” (título da presente newsletter), desenvolvido por Johannes Ehrentraud, Jamie Lloyd Evans, Amelie Monteil and Fernando Restoy.

Como apontado no trabalho, no caso das BTCs, a maioria dos riscos emerge de suas habilidades em alavancarem a partir de uma infraestrutura comum – notadamente grandes quantidades de dados de clientes – que os ajuda a ganhar vantagem competitiva em uma ampla variedade de serviços não-financeiros e financeiros, e a criar substantivas externalidades de rede.

Modelos de negócios de BTCs compreendem interdependências complexas entre atividades comerciais e financeiras, e podem levar a uma excessiva concentração na provisão tanto de serviços financeiros para o público e serviços de tecnologia para instituições financeiras; consequentemente, big techs podem representar uma ameaça à estabilidade financeira em algumas situações.

Os desafios que este específico modelo de negócio coloca para a sociedade não pode ser totalmente endereçado pelos atuais (a maioria setoriais) requisitos regulatórios. Sendo assim, o trabalho indica dois enfoques regulatórios específicos para que big techs possam ser consideradas, e, de alguma forma, combinados. O primeiro é o da segregação, a qual é um enfoque estrutural que busca minimizar os riscos emergindo de grupo de interdependências entre atividades financeiras e não-financeiras, ao impor regras específicas ring-fencing (cerca de ringue).

O outro enfoque alternativo à segregação é o de inclusão, o qual consiste em criar uma categoria regulatória por grupos de big techs com significativas atividades financeiras. Requisitos regulatórios poderiam ser impostos para o grupo como um todo, incluindo a big tech parent (holding detentora da big tech). Estes requisitos amplos de grupo não teriam normalmente um foco prudencial pivotal (i.e., capital mínimo e liquidez), mas introduziriam controles para dependências intragrupo ao longo de subsidiárias financeiras e não-financeiras. Isto poderia ser atingido ao estabelecer uma série de requisitos que se relacionem principalmente para a governança, conduta do negócio, resiliência operacional, e, somente quando apropriado, a solidez financeira do gruo como um todo.

Os autores concluem que enquanto o enfoque da segregação é discutivelmente mais simples e consistente, o enfoque da inclusão provê uma opção mais elaborada para endereçar riscos específicos associados com o modelo de negócio das big techs. Em qualquer evento há uma clara necessidade para a comunidade regulatória internacional desenvolver guias neste sentido.

Eis aí um conjunto interessante de propostas que vão também na direção do enfrentamento das assimetrias competitivas (vistas na newsletter de 24-04-2022) e assimetrias regulatórias decorrentes (vistas na newsletter de 01-05-2022).

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre regulação das big techs, não hesite em nos contatar!