Um dos artigos mais importantes em Finanças ainda é muito pouco conhecido. Seu título “Understanding the role of debt in the financial system”, publicado pelo economista Bengt Holmstrom (Professor de Economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA) no BIS – Bank for International Settlements – Working Paper de janeiro de 2015, constitui-se um dos mais relevantes trabalhos já feitos para uma melhor compreensão dos fundamentos dos mercados financeiros e das crises financeiras.

A principal contribuição do Prof. Holmstrom neste texto é mostrar que os mercados de moedas (monetários) são fundamentalmente diferentes dos mercados de bolsas (stock markets), e como são diferentes. Os mercados de bolsas são sobre descoberta de preço com o propósito de alocação eficiente de risco. Já os mercados de moedas são sobre evitar a necessidade de descoberta de preço usando over-collateralised debt (dívida supercolateralizada, ou seja, uma situação em que a garantia ou colateral fornecida para um empréstimo é maior do que o valor da dívida em si) para reduzir o custo do empréstimo.

Apesar desta diferença, argumenta o Prof. Holmstrom, tentativas de reformar o mercado de crédito (até o momento da publicação do seu trabalho, ou seja, logo depois da crise financeira de 2008) frequentemente extraíram discernimentos baseados em nosso entendimento sobre os mercados de bolsas. Isto se mostrou bastante enganoso. O trabalho, então, apresenta uma perspectiva na lógica dos mercados de crédito e da estrutura dos contratos de dívida que destacam a information insensitivity of debt (insensibilidade do crédito à informação).

Esta perspectiva explica, entre outras coisas, porque opacidade frequentemente incrementa liquidez em mercados de crédito e, portanto, porque todos os pânicos financeiros envolvem dívida. Estes discernimentos básicos sobre a natureza da dívida e dos mercados de crédito são simples, mas são importantes para pensar sobre políticas de transparência, sobre capital buffers (excesso de capital ou almofada de capital), e outras questões regulatórias que dizem respeito a atividades bancárias e mercados de moeda.

Mas qual a razão para estarmos ressaltando tais diferenças nestes mercados? Nossa principal razão é a de que os criptomercados (mercados de cripto ativos), tais como criptomoedas, e de modo particular os emissores de stablecoins, operam de uma maneira semelhante aos fundos mútuos ou fundos de mercados de moedas tradicionais – somente, ou apenas, sem pagar juros diretamente aos detentores de stablecoins.

Mas vamos às lógicas que o Prof. Holmstrom procurou destacar. Mercados de bolsas são, em primeira instância, direcionados a compartilharem e alocarem risco agregado. Para fazer isso efetivamente se requer um mercado que seja bom em descoberta de preço. Por descoberta de preço o Prof Holmstrom não procurou significar que o mercado tem que descobrir os verdadeiros fundamentos – nós nunca observaremos se este é o caso. Para ele, descoberta de preço significa o mesmo que a Efficient Market Hypothesis – EMH (Hipótese de Eficiência do Mercado) coloca: ou seja, ninguém pode legalmente ter vantagem informacional substantiva por um longo período, e de qualquer forma, sem pagar um preço compatível pelo esforço de obter tal vantagem. A informação irá rapidamente ser refletida nos preços e, desde que os preços são de conhecimento comum, as crenças não serão viesadas de uma forma ou de outra para permitir que alguém com somente o conhecimento dos preços ganhe dinheiro (*).

E foi invocando o sucesso da EMH que alguns autores advogaram que as mesmas receitas dos mercados de bolsas fossem aplicadas aos mercados de moedas. Mas a lógica por trás da transparência dos mercados de bolsas não se aplica aos mercados de moedas. O propósito dos mercados de moedas é prover liquidez para indivíduos e empresas. E a forma mais barata de fazer isso é usando over-collateralised debt (dívida supercolateralizada), que evita a necessidade de descoberta de preço. E sem a necessidade de descoberta de preço a necessidade de transparência é muito menor. Opacidade é, então, uma característica natural dos mercados de moedas e pode, em algumas instâncias, ampliar liquidez.

No entanto, como salienta o Prof. Holmstrom, a velha lógica da dívida supercolateralizada, e as naturais, mas algumas vezes surpreendentes implicações que ela tem para como informação e risco são lidados em mercados de moedas, precisam ser apreciadas adequadamente. É possível, argumenta Holmstrom, que desenvolvimentos recentes nos mercados de moedas global tenham alterado esta lógica requerendo uma perspectiva fundamentalmente nova. Todavia, se este é o caso, o ponto de partida deve ser as tradições dos mercados de moedas, mais do que os mercados de bolsas.

Na próxima newsletter vamos examinar brevemente as principais características das duas lógicas acima tratadas, tentando observar mais à frente, como os mercados de cripto ativos, tais como stablecoins, encaixam-se (ou não), e como, na Tabela 1 à frente, indicada pelo Prof. Holmstrom.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre o papel da dívida no sistema financeiro, não hesite em nos contatar!

Tabela 1 – Dois sistemas inteiramente diferentes
Stock marketsMoney markets
Risk sharing Liquidity provision/lending
Price discovery Obviating price discovery
Information sensitive Information insensitive
Transparent Opaque
Big investments in info Modest investments in info
Many traders (
exchanges
)
Few traders (
bilateral
)
Trading not urgent Trading urgent
Volatile volume Stable volume

Fonte: Fonte: Holmstrom (2015)