Nas duas semanas passadas resenhamos o artigo intitulado “Understanding the role of debt in the financial system”, publicado pelo economista Bengt Holmstrom (Professor de Economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA) no BIS – Bank for International Settlements – Working Paper de janeiro de 2015.

A principal contribuição do Prof. Holmstrom neste texto é mostrar que os mercados de moedas (monetários) são fundamentalmente diferentes dos mercados de bolsas (stock markets), e como eles são diferentes. Decidimos tratar deste artigo porque os criptomercados (mercados de cripto ativos), tais como criptomoedas, e de modo particular os emissores de stablecoins, operam de uma maneira semelhante aos fundos mútuos ou fundos de mercados de moedas tradicionais – somente, ou apenas, sem pagar juros diretamente aos detentores de stablecoins.

Vimos também que o sistema financeiro internacional evoluiu dramaticamente ao longo das últimas décadas. Hoje, a maioria das transações financeiras não ocorre através de depósitos bancários, mas mais que isso, através de mercados de crédito/dívida, de fluxos institucionais de moedas e ativos financeiros. Estas mudanças significam que métricas tradicionais (como o agregado monetário M2, por exemplo) deixaram de refletir uma grande parte da fotografia da moderna liquidez global. Ou seja, assistimos desta forma o surgimento no cenário financeiro internacional da figura do Non-Bank Lending (Empréstimo Não-Bancário).

E já que nosso interesse é nos criptomercados, e já que estes mercados operam de uma maneira semelhante aos fundos mútuos ou fundos de mercados de moedas tradicionais, a pergunta que não quer calar é: como estes mercados de moeda operam? Como apontado pelo Prof. Holmstron, o propósito dos mercados de moeda é prover liquidez. Os mercados de moeda comercializam através de dívidas que são lastreadas, explicita ou implicitamente, por colateral (garantia).

Uma característica importante de emprestar via colateral (garantias) é que tal transação tem baixos custos de informação porque não necessita de descoberta de preço (ou seja, o processo através do qual o mercado determina o valor justo de um ativo pela interação entre compradores e vendedores). Mas será que dívida é um contrato ótimo? São múltiplas as razões pelas quais dívida é um processo barato. Algumas delas são especialmente relevantes para comercializar dívida como garantia tal como é feito no seio do shadow banking (sistema bancário sombra - ver a respeito na newsletter The Shadow Banking System (O Sistema Bancário Sombra) (1)).

O Prof. Holmstrom nos brinda com a Figura 1 para mostrar a recompensa de um contrato de dívida no tempo de expiração (linha vermelha na figura). A linha tem um formato familiar de um taco de hóquei invertido. O eixo horizontal mede a recompensa da dívida em sua terminação, denotada pela variável x. O eixo vertical mede o valor da dívida. O taco tem a forma funcional s(x) = Min[D,x], onde D é o valor face da dívida.

Como é possível constatar na figura, antes da data de expiração o valor do contrato de dívida (para o emprestador) é menor do que na expiração por causa do risco de default (não pagamento). Isto é representado pela linha preta na figura. É importante notar que um contrato de dívida real nunca faz qualquer referência à recompensa x porque não há tipicamente tal recompensa que ambas as partes observem. Ao invés, o contrato de dívida simplesmente afirma que se o tomador do empréstimo paga D na terminação, não há mais obrigações adicionais, e o colateral é retornado (se ele é possuído pelo emprestador).

A razão por ser particular sobre este ponto é que ele está subjacente ao segundo benefício relacionado com informação da dívida colateralizada. Não somente ela evita uma avaliação precisa do valor colateralizado no período que o contrato é assinado. Ela também evita o custo da descoberta de preço a qualquer momento em que a dívida seja paga por completo. Somente um default irá disparar uma avaliação do valor, usualmente através de um processo de falência que pode ser bastante custoso. Em outras palavras, default pode ser usualmente pensado como uma descoberta de preço contingencial.

Ainda temos que analisar outras caraterísticas dos mercados de moeda, tais como sua proposital opacidade, as consequências nefastas de dívida e de opacidade, o shadow banking – a atividade bancária sombra, e as implicações para a geração de políticas). Mas deixaremos para a próxima newsletter.

Só reforçando que o exame de tais características dos mercados de moedas visa nossa observação mais à frente de como os mercados de cripto ativos, tais como stablecoins, encaixam-se (ou não), e como, na Tabela 1 à frente, indicada pelo Prof. Holmstrom.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre o papel da dívida no sistema financeiro, não hesite em nos contatar!

Figura 1 – Dívida e sensibilidade à informação

Fonte: Holmstrom (2015)

Tabela 1 – Dois sistemas inteiramente diferentes
Stock marketsMoney markets
Risk sharing Liquidity provision/lending
Price discovery Obviating price discovery
Information sensitive Information insensitive
Transparent Opaque
Big investments in info Modest investments in info
Many traders (
exchanges
)
Few traders (
bilateral
)
Trading not urgent Trading urgent
Volatile volume Stable volume

Fonte: Holmstrom (2015)