Na newsletter da semana passada argumentamos que temos muito a ganhar ao pensar o “Futuro do Brasil” a partir de uma perspectiva de longo prazo, apoiada no desenvolvimento científico, tecnológico e de inovações, bem como nos desdobramentos socioeconômicos, políticos e ambientais decorrentes desse tipo de desenvolvimento, como proposto pela Profa. Carlota Perez.
Ao pesquisar sobre cerca de 200 anos de história, ela identificou um padrão nas quatro revoluções tecnológicas antes da atual Idade da Informação e das Telecomunicações, e que tais revoluções tiveram um ciclo de vida composto de dois períodos distintos: i) um de instalação, e ii) outro de implantação. Como já tratamos do primeiro período, nesta newsletter lidaremos com o segundo.
A partir do frenesi criado no período de instalação, emerge uma fase de recessão, junto a qual avança a pressão social, criando as condições para a reestruturação institucional. Nessa atmosfera de urgência muitas das inovações sociais, que gradualmente emergiram durante o período de instalação, passam a surgir com novas regulações nas esferas financeiras e outras, criando um contexto favorável para reaglutinar e desdobrar o potencial crescimento. Essa recomposição crucial acontece em um ponto de inflexão que abandona os tempos turbulentos de instalação e de transição paradigmática para entrar na “era de ouro” do período de implantação que segue, dependendo das escolhas institucionais e sociais feitas (Figura 1).
Nesse período de implantação o potencial da revolução se revela ao longo do tempo através de um processo contínuo de aprendizado, interação e, especialmente, de sinergias entre diferentes clusters de inovação à medida que eles amadurecem. Complementarmente, quando comparada com a esfera tecno-econômica (que é mais facilmente mexida pela iniciativa empreendedora e pelas pressões competitivas), a esfera socioinstitucional tende a ser mais resistente à mudança e requer pressões políticas e culturais extremas – uma crise – antes que ela possa prescindir das estruturas e hábitos existentes.
De alguma forma, as tecnologias e princípios organizacionais do novo paradigma se tornam normalizados e tão profundamente enraizados na sociedade, que mesmo as instituições mais conservadoras são forçadas a se adaptarem. À medida que a revolução se propaga, a lógica econômica e social que caracterizou a revolução anterior (ou mesmo o estágio de instalação da presente revolução) é crescentemente vista como anacrônica. O paradigma tecno-econômico estabelecido pela revolução se torna o “novo normal”, servindo como ponto de partida – bem como a fonte de inércia e resistência – para a próxima onda de inovações com potencial para revolucionar toda a economia. E daí o ciclo se repete (Figura 2 à frente).
Tendo apontado (mesmo que de forma resumida) o núcleo central da visão de desenvolvimento da Profa. Perez, como é possível articular tal arcabouço analítico ao futuro do Brasil? O que pretendemos defender é que existem dois horizontes/eixos de análise que são independentes, mas que se complementam e se alinham com a evolução da atual revolução (de Informação e Telecomunicações) indicada pela Profa. Perez. O primeiro horizonte/eixo é determinado pela Economia do Desenvolvimento, e o segundo é polarizado pelos avançados tecnológicos da indústria de TICs mundial (Blockchain, 5G, Inteligência Artificial etc.), que denominaremos de Economia das TICs.
Iniciamos o tratamento do primeiro horizonte/eixo por uma narrativa existente no país sobre como sua economia tem se manifestado atualmente. Esta narrativa aponta que a indústria brasileira está perdendo pujança relativa, conformando uma economia com um perfil denominado de “especialização regressiva” (com pauta de exportações baseada em commodities e derivados), e onde seu setor de TICs vem apresentando déficits crescentes na balança comercial, impactando negativamente na competitividade nacional.
Por sua vez, a Economia do Desenvolvimento tradicionalmente enxerga a produção de commodities, particularmente petróleo e gás (P&G), como uma atividade de limitado potencial para “elos para trás” (backward linkages), e para desenvolvimento industrial e inovação.
Esta visão se coloca em visível contraste com a realidade de empresas como, por exemplo, as da indústria de P&G, a qual tem uma cadeia de valor complexa, global e de multi-camadas, e é intensiva em P&D e inovação, particularmente à medida que as empresas de petróleo desenvolvem recursos mais desafiadores tais como pesquisas offshore em águas profundas e em reservatórios não convencionais (Oliveira, 2016).
Desta forma, para pensar o futuro do Brasil precisamos, inicialmente, enxergar as “commodities” (uma das vantagens naturais mais relevantes de países como o Brasil) com “um novo olhar” (sem preconceitos e vieses), um olhar que hoje pode ser estendido aos produtos naturais (natural products) em geral e aos produtos manufaturados baseados em recursos naturais (manufacturing products natural resources-based). Tal premissa faz parte da essência da nova tese que vem sendo recentemente defendida, entre alguns profissionais, pela Profa. Carlota Perez.
A Profa. Perez tem argumentado que as razões para não ver as indústrias de recursos naturais entre aquelas com altas oportunidades para a maior parte do século 21 são largamente históricas, e que o contexto mudou significativamente.
Segundo ela, as TICs, juntamente com o paradigma tecno-econômico que se desenvolveu como o caminho ótimo para usar seus potenciais ao máximo, estão mudando o espaço de oportunidade para inovação nos recursos naturais, que aumentam o dinamismo tecnológico na rede completa de atividades, upstream e downstream, do investimento inicial e exploração até o uso final.
Para ela, tomados em isolado, os dotes dos países em recursos ou capacidades são insuficientes. O que é crucial entender no contexto contemporâneo dos recursos naturais é a importância que as redes (particularmente as redes capacitadoras de recursos de TICs) desempenham no desenvolvimento desses recursos naturais.
Sendo assim, a Profa. Perez defende a necessidade de se estabelecer duas políticas complementares e simultâneas: uma é a de um enfoque top-down com o objetivo de crescimento econômico e posicionamento global, e a outra é uma estratégia bottom-up para assegurar o pleno emprego e o bem-estar para todos.
Na próxima newsletter daremos um fechamento a esta série tratando como a visão da Profa. Carlota converge com uma nova interpretação do papel da Economia das TICs para o desenvolvimento, e como tal convergência para contribuir para o futuro do Brasil!
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Referências
Thompson, Ben (2021). In, https://stratechery.com/2021/the-death-and-birth-of-technological-revolutions/
Laul, Mario (2021). In, https://mariolaul.medium.com/how-crypto-is-shaping-the-digital-revolution-67f0a406e562
Oliveira, Renato Lima de (2016). “Resource-Led Industrial Development in the Oil & Gas Supply Chain: The Case of Brazil “. MIT-IPC Working Paper 16-002, June.
Perez, Carlota (with A. Marín and L. Navas-Aleman) (2014) "The possible dynamic role of natural resource-based networks in Latin American development strategies" in Dutrénit, G. and J. Sutz (eds), Innovation Systems For Inclusive Development: The Latin American Experience, Ch. 13. Cheltenham: Edward Elgar.