Esfera Pública (a esfera que media as relações entre o Estado e a Sociedade Civil) é fundamental para a Democracia, e ela está mudando – esta é a principal conclusão da histórica e seminal contribuição do Filósofo e Sociólogo alemão Jürgen Habermas, em seu livro “The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Bourgeois Society” (A Transformação Estrutural da Esfera Pública: Uma Investigação sobre uma Categoria de Sociedade Burguesa), publicado em 1962, na língua alemã, e somente traduzido e publicado para o inglês em 1989.

Esta sua obra foi crucial para a construção do seu mais importante projeto intelectual: o desenvolvimento de sua “Teoria do Agir Comunicativo”, em que o autor continua seu empreendimento para achar uma forma de alicerçar as Ciências Sociais em uma Teoria da Linguagem. Em seu livro mais ousado [publicado em dois volumes: (I) “The Theory of Communication Action: Reason and the Rationalization of Society” (A Teoria do Agir Comunicativo: Razão e Racionalização da Sociedade), de 1981, em alemão, traduzido para o inglês em 1984; e, (II) “The Theory of Communicative Action: Lifeworld and System - A Critique of Functionalist Reason” (A Teoria da Ação Comunicativa: Mundo da Vida e Sistema – Uma Crítica da Razão Funcionalista), de 1981, em alemão, traduzido para o inglês em 1987] ele reconstrói um conceito de razão que não repousa em termos instrumentais ou objetivistas, mas sim em uma ação comunicativa emancipatória.

Limitando-nos, por ora, ao primeiro livro, por que é necessário entender a esfera pública na era digital? Resumidamente, porque “o digital transforma substantivamente a esfera pública com consequências importantes para a Democracia”. A noção de “esfera pública” começou a evoluir durante a Renascença (aproximadamente entre meados do século XIV e o fim do século XVI) na Europa Ocidental. Trazida parcialmente pela necessidade dos comerciantes por informação acurada sobre os mercados distantes, bem como pelo crescimento da democracia, da liberdade individual e da soberania popular, a esfera pública era um lugar entre indivíduos privados e autoridades governamentais, em que as pessoas podiam se encontrar e ter debates críticos sobre assuntos públicos.

Tais discussões serviam como um contrapeso para a autoridade política e acontecia fisicamente em encontros face-a-face em casas de cafés e em praças públicas, bem como na mídia em cartas, livros, dramas, e nas artes. Habermas viu uma vibrante esfera pública como uma força positiva mantendo as autoridades dentro de limites, para que suas regras não fossem ridicularizadas.

Habermas enxergou (de forma resumida) duas transições de esfera pública. A primeira foi a da transformação das sociedades feudais em uma ordem constitucional burguesa liberal que distinguiu dois domínios: o público e o privado. No domínio privado, havia uma esfera pública burguesa para o debate político crítico-racional, que formou um novo fenômeno chamado “opinião pública”. A segunda transição foi da esfera pública burguesa liberal para a moderna sociedade de massa do Estado do Bem-estar Social.

Começando nos anos 1830, estendendo do final do século 19 para o início do século 20, uma nova constelação de desenvolvimentos sociais, culturais, políticos, e filosóficos tomou lugar. Tais desenvolvimentos correram em paralelo com grandes transformações socioeconômicas baseadas na industrialização, e o resultado foi o surgimento das sociedades de massa caracterizadas pelo capitalismo de consumo no século 20.

As demarcações claras entre o público e o privado e entre o Estado e a sociedade se tornaram borradas. A esfera pública burguesa foi transformada pela crescente reintegração e entrelaçamento do Estado e da sociedade que resultou no moderno Estado do bem-estar social. Habermas assinala os efeitos perniciosos da comercialização e consumerização/customização da esfera pública através do surgimento da mídia de massa, das relações públicas, e da cultura do consumidor. Seeliger e Sevignani (2022) sintetizam muito bem essas duas transições na Tabela I à frente.

Mas para a defesa do argumento que aqui estamos colocando (de uma nova transformação da esfera pública pela via digital, impactando a Democracia), há que ser apresentado o principal framework (arcabouço) analítico que Habermas desenvolveu na sua Teoria do Agir Comunicativo: ou seja, o esquema interpretativo denominado “Lifeworld and System” (Mundo da Vida e Sistema).

Como pode ser visto na Figura 1 à frente, o framework de Habermas é composto de duas ordens institucionais do mundo da vida (a esfera privada, da sociedade civil, e a esfera pública) e por dois subsistemas controlados por meios (o sistema econômico e o sistema administrativo/Estado), onde seus principais agentes sociais estabelecem relações de troca por meio do dinheiro e do poder.

Na segunda parte desta newsletter especificaremos mais em detalhe este framework analítico de Habermas, e apresentaremos a contribuição de Seeliger e Sevignani (2022), os quais defendem que a nova transformação da esfera pública está sendo mediada por três desenvolvimentos institucionais (a digitalização, a comoditização e a globalização do social). Além disso, vamos incorporar ao nosso argumento a transformação dos sistemas de confiança nas relações socioeconômicas, que estão passando de “sistemas de confiança baseados em humanos” (que não escalam) para aqueles “sistemas de confiança baseados em tecnologia”, os quais podem escalar virtualmente sem limites.

Se sua empresa, organização ou instituição, deseja saber mais sobre a transformação digital da esfera pública, não hesite em nos contatar!

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