Antes de qualquer coisa, e para evitarmos polêmicas, devemos ressaltar que o título desta newsletter advém de um conceito estabelecido na literatura, e não foi inventado por esta newsletter. Na newsletter 10/05/2020 afirmávamos que precisávamos entender em que medida a divisão do mundo em três tipos de “economias digitais” afetaria os negócios dali para frente, a saber: a) o American-style techno-libertarianism; b) o Chinese digital authoritarianism; e, c) o European Union - EU´s regulatory approach”.

Na newsletter de 13/02/2022 tratamos do “Efeito Bruxelas”, que expressa o “European Union - EU´s regulatory approach”. O conceito de “digital authoritarianism” (autoritarismo digital) foi definido em 2019 pela Brookings Institution (uma organização de política pública baseada em Washington/EUA) como sendo o “uso de tecnologia da informação por regimes autoritários para vigiar, reprimir, e manipular populações domésticas e internacionais”.

De acordo com documento daquela instituição, este conceito está remodelando o balanço de poder entre democracias e autocracias. Segundo o documento, na linha de frente deste fenômeno, China e Rússia têm desenvolvido e exportado distintas cartilhas baseadas em tecnologia para regimes autoritários. A experiência de Beijing (Pequim) de usar ferramentas digitais para censura e vigilância domésticas a tornou a escolha de oferta para regimes iliberais procurando empregar seus próprios sistemas de vigilância, enquanto as ferramentas de desinformação digital de baixo custo de Moscou têm se provado efetivas em reprimir potencial oposição em casa e minar democracias fora do país.

Neste sentido, o documento examina o desenvolvimento e exportação de ambos os modelos Chinês e Russo. A China foi pioneira na era da censura digital com seu “Great Firewall” (*) de uma Internet controlada pelo Estado e uma repressão high-tech sem precedentes empregada em Xinjiang em anos recentes, e tem exportado sistemas de vigilância e monitoramento para pelo menos 18 países. A Rússia se apoia menos em filtrar informação e mais em um regime repressivo legal e intimidação de companhias chave e a sociedade civil, um modelo de baixo custo ad hoc mais facilmente transferível para a maioria dos países. O governo russo tem feito movimentos legais e técnicos que apertam ainda mais o controle, incluindo legislação passada recentemente para estabelecer uma “Internet Russa Soberana”.

Os autores do documento referido recomendam que os Estados Unidos e outras democracias devam apertar seus controles de exportações em tecnologias que avançam o autoritarismo digital, sancionar regimes que se engajam em autoritarismo digital e empresas que os ofertem, desenvolver um modelo democrático competitivo de governança digital com um código de conduta, e aumentar a conscientização pública em torno da manipulação de informação, incluindo o funding de programas educacionais para a construção de habilidades de pensamento crítico entre os jovens.

As implicações deste modelo para as relações internacionais e para o comércio mundial, e, por conseguinte, para a estrutura e a dinâmica das economias digitais, são amplas e, infelizmente, ainda são pouco tratadas de forma aberta. De modo particular, o modelo Chinês é um caso ainda mais importante. De acordo com dados de 2019 da Organização Internacional do Comércio - OMC, a China é o maior supridor global de equipamentos de telecomunicações (gerando US$ 296 bilhões quando comparado com US$ 169 bilhões para toda a União Europeia), bem como de equipamento de escritórios e telecom (US$ 633 bilhões quando comparado com US$ 363 bilhões para toda a União Europeia) (**). Com participação tão grande no comércio internacional de tecnologias que podem coletar e processar dados, não é surpresa que haja uma crescente preocupação sobre o efeito que as vendas de tecnologia da China tenham internacionalmente.

Na próxima newsletter trataremos do último tipo de economia digital que é o do “American-style techno-libertarianism”, que a Creativante prefere reconhecer como “American-style techno-libertarianism (in theory) and techno-monopolism (in practice)”.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre autoritarismo digital, não hesite em nos contatar!

(*) Em referência à Grande Muralha da China, é a combinação de ações legislativas e tecnologias aplicadas pela China para regular a Internet dentro do país. https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Firewall_Chinesa

(**) https://www.lowyinstitute.org/the-interpreter/digital-authoritarianism-not-just-china-problem