A Europa parece estar voltando a ser o centro das atenções. A mídia tem concentrado muita visibilidade na questão da instabilidade das relações entre a Rússia e a Ucrânia, afinal o que está em jogo (dentre os temas da geopolítica) é nada mais nada menos do que a energia que aquece uma boa parte dos europeus. De outro lado, apontando para um fenômeno de estabilidade, estão as celebrações dos setenta anos de reinado da Rainha Elizabeth II do Reino Unido.

Nosso interesse em tratar sobre a Europa como uma “economia digital” começou na newsletter de 10/05/2020. Naquela oportunidade afirmávamos que precisávamos entender em que medida a divisão do mundo em três tipos de “economias digitais” afetaria os negócios dali para frente: a) o American-style techno-libertarianism; b) o Chinese digital authoritarism; e, c) o European Union - EU´s regulatory approach”.

E é sobre o enfoque regulatório da União Europeia - UE que tratamos nesta newletter. Para isso trazemos ao leitor a contribuição do livro intitulado “The Brussels Effect: How the European Union Rules the World” (O Efeito Bruxelas: Como a União Europeia Governa o Mundo), publicado em 2020 pela Professora de Direito da Columbia University nos EUA, Anu Bradford. Como salientado na página do livro na Amazon, para muitos observadores, a UE estaria atolada numa profunda crise. Entre um lerdo crescimento; turbulência política seguindo uma década de políticas de austeridade; Brexit; e a emergência da influência asiática, a UE tem sido vista como uma potência declinante no palco mundial.

A Profa. Bradford argumenta exatamente o oposto em seu livro. Para ela a UE permanece uma influente superpotência que conforma o mundo à sua imagem. Ao promulgar regulações que conformam o ambiente dos negócios internacionais, elevando os padrões mundo afora, e levando a um notável Europeização de muitos importantes aspectos do comércio global, a UE tem conseguido conformar a política em áreas tais como privacidade de dados, saúde e segurança do consumidor, proteção ambiental, antitruste, e discurso de ódio online. E em contraste a como superpotências manejam influência global, o Efeito Bruxelas – uma frase cunhada pela primeira vez por Bradford em 2012 – absolve a UE de desempenhar um papel direto em impor padrões, à medida que forças de mercado sozinhas são frequentemente suficientes, na medida que companhias multinacionais voluntariamente estendem o papel da UE para governarem suas operações globais.

O livro mostra como a UE tem adquirido tal poder, porque companhias multinacionais usam os padrões da UE como padrões globais, e porque o papel da UE como regulador do mundo provavelmente sobreviverá seu gradual declínio econômico (quando comparado às economias dos EUA e da China), estendendo a longa influência da UE no futuro.

São vários os exemplos do Brussels Effect. Um dos mais recentes se materializou nos resultados de empresas do setor de TI dos EUA. Como noticiado pela revista Forbes (1), na semana passada, diante da queda recorde das ações da Meta, provocada, em parte, pelos prejuízos da divisão responsável pelo metaverso, outro assunto veio à tona nas análises sobre o desempenho das empresas de tecnologia: a mudança de privacidade do iOS. A nova política do sistema do iPhone gerou impacto direto nas receitas de publicidade das big techs. De acordo com a dona do Facebook, a empresa deixou de faturar R$ 53 bilhões com publicidade no ano passado, fruto da mudança. Na quinta-feira, 3, as ações da Meta chegaram a cair 22%, os papéis da Snap recuaram 18%, do Twitter caíram 8% e do Pinterest 11%. De acordo com o Markets Insider, desde que a atualização de privacidade entrou em vigor, no final de abril de 2021, essas quatro empresas perderam um valor de mercado combinado que chega a R$ 1,4 trilhão (US$ 278 bilhões).

Ainda como registrado pela Forbes, a Apple começou a aplicar o App Tracking Transparency (ATT) no iOS14.5. De forma prática, esse novo recurso de privacidade faz com que pedidos de permissão sejam enviados aos usuários para que os aplicativos possam manter a dinâmica de rastreamento. As pessoas passaram a ser avisadas quando os aplicativos instalados em seus smartphones acessavam algum tipo de informação. O sistema também passou a exigir o consentimento dos usuários sobre o rastreamento de dados.

Tal posicionamento da Apple emergiu, estrategicamente, em conformidade com as novas boas práticas mundiais de privacidade, estabelecidas marcadamente a partir da regulação europeia conhecida como GDPR – General Data Protection Regulation, que entrou em vigor em maio de 2018.

Em resumo, ao contrário do que muita gente pensa, a Europa não é uma carta “fora do baralho” no complexo jogo das relações internacionais. Pelo menos no que diz respeito ao setor de tecnologia, sua influência é bem marcante, e vem conformando uma nova dinâmica nas economias digitais.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre o “Efeito Bruxelas”, não hesite em nos contatar!

  1. Leia mais em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/02/por-que-a-nova-regra-de-privacidade-da-apple-fez-as-big-techs-perderem-bilhoes/