Nas últimas newsletters (de 13-02-2022 e de 20-02-2022) estivemos tratando de dois tipos globais de economias digitais: respectivamente, o “European Union - EU´s regulatory approach”, expresso pelo chamado “Efeito Bruxelas”, e o “Chinese digital authoritarianism”. Nesta newsletter trataremos brevemente do terceiro tipo, o “American-style techno-libertarianism”.
O termo “techno-libertarianism” (libertarianismo tecnológico), algumas vezes referido como cyber-libertarianism (libertarianismo ciber, de cibernético) é uma filosofia política com raízes na cultura hacker cyberpunk da Internet do Vale do Silício, no início dos anos 1990s e no libertarianismo norte-americano. A filosofia tem como foco a minimização da regulação governamental, da censura ou qualquer coisa no caminho de uma World Wide Web livre. Neste caso, a palavra “livre” se refere ao significado de “sem restrições”, e não “grátis” (sem custo).
Os cyber-libertarians abraçam hierarquias meritocráticas fluidas (as quais são acreditadas como sendo mais bem servidas pelos mercados). O termo techno-libertarianism foi popularizado no discurso crítico pela escritora de tecnologia Paulina Borsook. Os princípios do tecno-libertário são definidos como: a) A política deve sempre ser atenciosa com as liberdades civis; b) A política deve se opor à super regulação governamental; e, c) A política que se mostra racional, e com livres incentivos de mercado é a melhor escolha.
Assim como o techno-libertarianism esteve na base das iniciativas que deram lugar à Internet que conhecemos hoje, o conceito também esteve na origem do movimento “crypto” que floresce atualmente no mundo desde a criação da criptomoeda bitcoin e da tecnologia que lhe dá suporte, a blockchain. Observando a “pré-história” da bitcoin, é possível identificar o “Crypto Anarchist Manifesto”, divulgado em 1988 por Timothy C. May, engenheiro eletrônico norte-americano considerado um dos padrinhos da bitcoin. Os princípios básicos do crypto-anarchism eram a defesa das trocas criptografadas assegurando total anonimidade, total liberdade de opinião, e total liberdade de comércio.
Outro movimento relacionado foi o do lançamento, em 1993, do “Cyberpunk Manifesto”, por Eric Hughes (matemático e programador norte-americano), que expressava a criação de um grupo informal de pessoas interessadas em criptografia, e cujo objetivo era assegurar a conformidade com privacidade usando a proatividade da criptografia.
No entanto, muito embora esses movimentos “tecno-libertadores” estejam no mindset dos fundadores da Internet, e boa parte daqueles que contribuem com seus desdobramentos recentes para a evolução da Web 3.0, o que a realidade dos fatos nos mostra é que tem ocorrido exatamente o oposto das bandeiras libertárias tanto apregoadas. Ou seja, ao invés da conclamada descentralização dos mercados, dos processos, dos usos sem restrições, o que estamos observando é a concentração dos mercados por gigantes da hoje chamada “big tech industry”, com suas plataformas digitais globais se tornando verdadeiros monopólios nas suas verticais de domínio.
Como apontamos na newsletter de 31-10-2021, em que tratamos do “novo discurso” de defesa da Web 3.0, como sendo o discurso da “nova era pós-grandes plataformas digitais”, constatamos logo em seguida (na newsletter de 20-11-2021) que talvez a tão propugnada descentralização dos mercados vislumbrada por tecnologias da Web 3.0, como blockchain, ainda não se fez tão evidente, pelo menos no ecossistema bitcoin, que é ainda dominado por grandes e concentrados players, sejam eles grandes mineradores, detentores de bitcoins ou exchanges (casas de câmbio).
Em resumo, ainda é cedo para derivar grandes conclusões a respeito desta temática. No entanto, pode-se perceber que, no que diz respeito ao tipo de economia digital que se manifesta na cultura norte-americana, seu perfil está mais para um de “American-style techno-libertarianism (in theory) and techno-monopolism (in practice)”.
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre tipos de economias digitais globais, não hesite em nos contatar!