Depois de termos tratado os três principais tipos globais de economias digitais, a saber: o “European Union - EU´s regulatory approach”, expresso pelo chamado “Efeito Bruxelas” (newsletter de 13-02-2022), o “Chinese digital authoritarianism” (newsletter de 20-02-2022), e o “American-style techno-libertarianism” (newsletter de 27-02-2022), vem à mente a seguinte pergunta: e como podemos classificar o tipo de economia digital do Brasil?

A maneira que encontramos para responder tal pergunta foi recorrer ao simbolismo da celebração dos 100 (cem) anos da “Semana de 22”, ou seja, a Semana de Arte Moderna, manifestação artístico-cultural que ocorreu no Theatro Municipal de São Paulo entre os dias 13 a 18 de fevereiro de 1922. O evento reuniu diversas apresentações de dança, música, recital de poesias, exposição de obras – pintura e escultura – e palestras. Os artistas envolvidos propunham uma nova visão de arte a partir de uma estética inovadora.

Segundo Laura Aidar (1), uma vez que o intuito dos artistas era chocar o público e trazer à tona outras maneiras de sentir, ver e fruir a arte, as características desse momento foram: Ausência de formalismo; Ruptura com academicismo e tradicionalismo; Crítica ao modelo parnasiano; Influência das vanguardas artísticas europeias (futurismo, cubismo, dadaísmo, surrealismo, expressionismo); Valorização da identidade e cultura brasileira; Fusão de influências externas aos elementos brasileiros; Experimentações estéticas; Liberdade de expressão; Aproximação da linguagem oral, com utilização da linguagem coloquial e vulgar; Temáticas nacionalistas e cotidianas.

As ideias trazidas na Semana de 22 abriram as portas para novas correntes, conceitos e maneiras de se pensar a arte brasileira. Por isso, grandes obras da vanguarda modernista foram desenvolvidas nos anos que seguiram esse evento, como Macunaíma, de Mário de Andrade, um dos livros que representa o modernismo, e foi publicado em 1928 (2).

Nesse contexto, o conceito de antropofagia foi uma das correntes da vanguarda e tem seu embrião na proposta trabalhada no Manifesto Pau-Brasil (1924), de Oswald de Andrade, na qual o autor expressa que a cultura brasileira é original e criativa, e deve ser exportada, em contraponto aos conceitos de que apenas a cultura europeia era sofisticada. No entanto, a ideia de um movimento antropofágico propriamente dito nasceu quando Tarsila do Amaral presenteou seu então marido, Oswald, com o quadro “O Abaporu” (1928). O escritor, após contemplar a obra ao lado do amigo e escritor Raul Bopp, desenvolveu o conceito e nomeou o quadro. Abaporu significa “antropófago” em tupi-guarani, ou seja, “homem que come”. O movimento, portanto, trabalharia tal conceito de `canibalismo`: deglutir o alheio para produzir algo próprio. Em suma, a ideia era basicamente “devorar” essa cultura enriquecida por técnicas importadas e promover uma renovação estética na arte brasileira (2).

Em maio de 1928 é publicado o Manifesto Antropófago ou Antropofágico, manifesto literário também escrito por Oswald de Andrade, que tinha por objetivo repensar a dependência cultural brasileira. A linguagem do manifesto é majoritariamente metafórica, contendo fragmentos poéticos bem-humorados e torna-se a fonte teórica principal do movimento (3). A título de exemplo, assim como os antropófagos, o movimento propugnava que os artistas deveriam assimilar criticamente as ideias e modelos europeus para produzir algo verdadeiramente nacional: “tupi or not tupi, that is the question” (2).

E como vinculamos tudo isso à economia digital do Brasil? O objetivo deste “Manifesto Geoantropófago (ou Geoantropofágico) Digital” é o de repensar a “dependência” da economia digital brasileira dos valores dominantes na cultura do desenvolvimento e crescimento econômicos, das inovações, das estratégias de negócios e do foco comercial da economia digital norte-americana (e, de um modo particular, do Vale do Silício), para assimilarmos criticamente os valores de outras economias, como a europeia e a asiática.

Neste sentido, o “Manifesto” que aqui se introduz se vale desse rico contexto histórico-cultural brasileiro para demarcar um novo “território”, ou “espaço” que se relaciona com outros espaços (daí o termo Geo, do grego Geo, que exprime a noção de Terra) que se junta ao termo Antropo (do grego Antropos, que exprime a noção de Homem), e, finalmente, junta-se ao termo Fagia (do também grego Fágô, que significa comer). A dimensão Digital é o novo elemento de sinergia entre os termos anteriores, já que adentramos na Era Digital.

Na próxima newsletter daremos corpo aos elementos fundacionais, e prospectivos, deste Manifesto, apontando como é possível assimilar, “geoantropofagicamente”, os aspectos importantes dos principais tipos de economias globais, num processo de “composability” (ou composibilidade, termo da moda no mundo crypto, e que representa um princípio de projeto de sistema que lida com as inter-relações dos componentes) com os aspectos nativos brasileiros, de forma que estes últimos possam ser exportados para o mundo!

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre o movimento geoantropófago digital, não hesite em nos contatar!

  1. https://www.todamateria.com.br/semana-de-arte-moderna/amp/
  2. https://www.spescoladeteatro.org.br/noticia/100-da-semana-de-22-o-que-foi-o-movimento-antropofagico#:~:text=O%20evento%2C%20que%20aconteceu%20entre,discreta%20e%20dispersa%20no%20pa%C3%ADs
  3. https://www.infoescola.com/literatura/manifesto-antropofagico/