A competição na Era Digital é fortemente baseada em ecossistemas, e os ecossistemas de maior destaque são aqueles formados por complexas e sofisticadas arquiteturas de negócios apoiadas em plataformas digitais.

No setor financeiro é possível constatar a existência de, essencialmente, três macro ecossistemas (Figura 1 à frente): a) o ecossistema centralizado ao redor de instituições tradicionais, tais como bancos (chamado CeFi- Centralized Finance); b) o emergente ecossistema descentralizado baseado em tecnologias distribuídas de livro-razão, ou Distributed Ledger Technologies – DLTs, tais como Blockchain (chamado de DeFi – Decentralized Finance); e, c) o ecossistema formado pela inserção das grandes, e independentes, plataformas digitais (tais como Google, Apple, Microsoft por exemplo) no setor financeiro (aqui chamado de PlatFi – Platform Finance).

Estes três ecossistemas compõem o que hoje se configura como o foco central da nova área das Finanças Digitais (ou Digital Finance, em inglês), ecossistemas que foram identificados e tratados neste espaço nas newsletters de 01-11-2020, 08-11-2020, 16-11-2020, 22-11-2020, e 30-11-2020. Contando com arquiteturas empresariais distintas, estes ecossistemas se apoiam em plataformas digitais para sua existência, e conformam características de governança que ainda merecem investigação aprofundada.

Neste sentido, o objetivo da série de newsletters que hoje se inicia é propor um novo arcabouço de governança para atingir dois objetivos: a) Entender como e porque os provedores de ecossistemas financeiros de plataformas digitais podem induzir seus agentes (indivíduos e organizações) a se engajarem em negociações colaborativas; e, b) Entender como os agentes destes três ecossistemas financeiros acima citados podem coexistir e evoluir de forma sustentável.

Algumas premissas iniciais se fazem necessárias. Primeiramente, é importante estabelecer a distinção entre governança interna do ecossistema e governança externa ao ecossistema. A primeira exercita esforços de colaboração (*), e a segunda está mais voltada para os esforços de cooperação (**). Em segundo lugar, os trade-offs existentes entre colaboração e cooperação podem levar às estratégias de competição entre os ecossistemas ou às estratégias de coopetição (i.e., uma competição cooperativa). Em terceiro lugar, tais estratégias (de competição ou de coopetição) podem conduzir ao desenvolvimento de modelos de negócios tecnológicos baseados em componibilidade (***), componibilidade parcial, ou não-componibilidade.

Iniciando pela estrutura e dinâmica de governança interna do ecossistema, assume-se que os processos de governança são altamente políticos e envolvem exercícios de poder (Hurni et al. 2021). Sendo assim, o arcabouço aqui proposto se vale do arcabouço de poder apresentado por Clegg (1989) e adaptado por Ofe & Sandberg (2022). O objetivo inicial aqui, como já expressado anteriormente, é entender como e porque os provedores de ecossistemas financeiros de plataformas digitais podem induzir seus agentes (indivíduos e organizações) a se engajarem em negociações colaborativas.

O arcabouço de Clegg adaptado por Ofe & Sandberg (doravante arcabouço COS) metaforicamente retrata relacionamentos entre diferentes formas de poder que são continuamente estabelecidas e fluem como uma corrente em uma complexa placa de circuito eletrônico. O arcabouço retrata como o poder flui e está envolvido em mudanças nos sistemas sociais através de três circuitos: episódico, de integração social e de integração sistêmica. Este arcabouço é usado porque ele (i) possibilita analisar complexos sistemas sociotécnicos, (ii) compreende formas de poder envolvidas em aspectos de governança de interesse [i.e., output (produtos/resultados), agentes, e níveis de identificação], e (iii) facilita exploração da dinâmica da estrutura e da ação no ecossistema.

O circuito episódico envolve ações, agenciamentos, “poder sobre” e resistência. O poder neste circuito é derivado das capacidades dos agentes de controlar recursos, de empregar ou negar acesso a, de forma a influenciar resultados. Isto resulta em episódios onde o “agente A condiciona o agente B a fazer algo que B não faria de outra forma”. Por exemplo, quando a Apple bloqueou Fortnite de sua Appstore, ela buscou fazer com que o desenvolvedor de videogame desistisse de se desviar da cobrança dos 30% de sua receita.

No circuito social o poder opera através de regras formais e informais de significado e de membership (filiação). Ele difere do circuito episódico porque não é vested (investido) nas ações discretas dos indivíduos, mas nas regras, normas e cultura que orientam as ações. Por exemplo, Twitter e Facebook publicam regras para comportamento e participação em suas plataformas, as quais não são necessariamente fortemente prescritivas ou estritamente sustentadas, mas as possibilitam exercitar poder e intervir se elas desejarem (ou forem obrigadas por pressões externas - lembramos aqui cobranças das nossas autoridades jurídicas para que plataformas operando no Brasil cumprissem determinados objetivos).

No circuito sistêmico o poder é exercido através de técnicas de disciplina e produção., isto é, condições materiais provendo caminhos de empoderamento e desempoderamento que facilitam interações ou restringem o que os agentes podem fazer. Em ecossistemas de plataformas digitais as técnicas de disciplina e produção são inscritas nas regras de design da plataforma, e servem como contornos para ações e procedimentos operacionais especificando como os ecossistemas operam. Exemplos incluem métodos e procedimentos que dizem respeito a quem pode participar, que recursos da plataforma são acessíveis e como os resultados são avaliados. Por exemplo, ao usar acreditação e técnicas de aceitação de códigos, os provedores de plataformas podem especificar quem pode contribuir para a plataforma (input control – controle de insumos) e os acceptable output (resultados aceitáveis).

Na próxima newsletter vamos demonstrar como os três circuitos de poder se relacionam para a governança da plataforma (como apontado na Figura 2 à frente) durante o estabelecimento de uma plataforma.

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre arcabouços para governança de ecossistema financeiros baseados em plataformas digitais, não hesite em nos contatar!

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(*) Colaboração: quando um grupo de pessoas se junta e trabalha em um projeto em suporte a um objetivo, resultado ou missão compartilhados.

(**) Cooperação: quando um grupo de pessoas trabalha em suporte aos objetivos de outro grupo.

(***) Componibilidade, ou composability em inglês, é a capacidade ou habilidade de compor, aglutinar através de componentes (ver newsletters de 27-03-2022 e de 03-04-2022).

Hurni, T., Huber, T. L., & Dibbern, J. (2021). Power dynamics in software platform ecosystems. Information Systems Journal, 32(2) 310–343. https://doi.org/10.1111/isj.12356

Clegg, S. R. (1989). Frameworks of power. SAGE Publications.

Ofe, Hosea A. & Johan Sandberg (2022). The emergence of digital ecosystem governance: An investigation of responses to disrupted resource control in the Swedish public transport sector. Information System Journal. 33(2), 350-385. https://doi.org/10.1111/isj.12404 .