Como vimos na newsletter da semana passada, no design e na operação de ecossistemas baseados em plataformas digitais se assume que os processos de governança são altamente políticos e envolvem exercícios de poder. Neste sentido, propusemo-nos a apresentar um arcabouço que se vale daquele apresentado por Clegg (1989) e adaptado por Ofe & Sandberg (2021), que chamamos de arcabouço COS.
O arcabouço COS (ilustrado na Figura 1 à frente) usa a metáfora da placa de circuito eletrônico e identifica três circuitos de poder: o episódico, o de integração social e o de integração sistêmica, tratados na newsletter da semana passada. Em sua dinâmica, mudanças na governança de um ecossistema digital podem ser disparadas tanto exógena quanto endogenamente (conceitos expandidos mais à frente). Mudanças disparadas por contingências exógenas devem ser substanciais para disrupt (perturbar) os efeitos estabilizadores tanto do circuito social quanto do circuito sistêmico.
Se tal impacto ocorre ou não, depende de um altamente complexo inter-relacionamento entre a influência exógena de inovações e a receptividade, ou outra forma, da unidade endógena em questão. Nos ecossistemas digitais a maleabilidade dos recursos pode aumentar a complexidade tanto dos estímulos das inovações e quanto da habilidade de se adaptar e responder, causando mais circuitos transientes e temporários do que em ecossistemas não digitais.
No entanto, uma contingência exógena disparando mudança não leva automaticamente a uma mudança nas regras de significado ou técnicas de disciplina e produção que constituem a governança. Um estabelecimento frutífero e de promulgação de governança requer relacionamentos estabilizadores apropriados entre os circuitos episódico, social e sistêmico através de “pontos de passagem obrigatórios” (nós em que circuitos no sistema passam através de, e, portanto, as interações devem também passar).
A interação entre os circuitos social e sistêmico nos pontos de passagem obrigatórios (i.e., interações intrincadas entre regras de governança para normas, valores e processos) estabelece o palco para atos de poder episódico para assegurar resultados (e.g., cortar um agente do sistema de distribuição do aplicativo da plataforma). A posição das plataformas digitais como um ponto obrigatório de passagem (ou, mais frequentemente, conjunto de pontos de passagem) para interações no ecossistema associado possibilita governança de resultado, de identificação, e de agentes através da exploração dos circuitos sistêmico, social e episódico, respectivamente.
Mudanças na governança de ecossistemas digitais podem também ser disparadas endogenamente por resultados de poder episódicos emergindo de contestação, tensões ou resistência entre agentes que causam mudanças nas regras do jogo (circuitos social e sistêmico). Por exemplo, mudanças nas regras de significado ou técnicas de produção instituídas através de um ponto de passagem obrigatório podem criar desbalanços entre agentes. Diferenças no controle dos recursos podem ser estrategicamente exploradas para induzir outros agentes a, digamos B, refrear em tomar ações razoáveis e esperadas em resposta a A. No entanto, a natureza e a maleabilidade distribuída dos recursos digitais provêm os agentes do ecossistema com os meios para desafiar relacionamentos de poder, por exemplo, através hacking ou evasões inovadoras de regras técnicas ou sociais.
A explicação para a dinâmica do arcabouço COS se encerra aqui. Todavia, o arcabouço que pretendemos apresentar estende o do COS em outras dimensões. Primeiramente, ao explorarmos se as mudanças na governança de um ecossistema digital são disparadas de forma exógena ou endógena, ou ambas, devemos, adicionalmente, examinar quais são os fatores determinantes de tais contingências disparadoras de mudanças. Neste sentido, é possível contar (em segundo lugar) com a ajuda de alguns dos conceitos próprios de um dos ramos da Economia, ou seja, da área de Organização Industrial, aplicáveis (tentativamente e de maneira prospectiva) ao caso da evolução dos ecossistemas digitais.
Sendo assim, ao observarmos a Figura 2 à frente, percebemos que o conceito de integração horizontal se refere ao processo de aumentar fatias de mercado ou expandir pela integração (dos ativos, observando a linguagem da indústria, ou dos recursos, no jargão dos ecossistemas) ao mesmo nível de cadeia de suprimentos, e no interior da mesma indústria. Já a integração vertical acontece quando uma companhia assume o controle de mais partes da cadeia de suprimentos, logo, cobrindo mais partes dela.
Finalmente, ao apropriarmos tais conceitos para a constituição e evolução dos ecossistemas digitais (e particularmente aos ecossistemas financeiros), queremos entender como as dinâmicas de tais ecossistemas se manifestam no âmbito de sua governança externa. Por exemplo, o ecossistema CeFi quando se utiliza de certos recursos, tais como tecnologias do ecossistema DeFi (do tipo Blockchain), ele o faz através de mecanismos de integração vertical (com ecossistemas de distinta natureza) ou por integração horizontal (com ecossistemas de mesma natureza)? E como ele o faz: por cooperação, por competição ou por coopetição? Ele utiliza estratégias de componibilidade total, parcial ou não-componibilidade? Finalmente, quais são os circuitos de poder que se estabelecem nestas interações?
Eis aí algumas questões a serem tratadas na próxima newsletter!
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre arcabouços para governança de ecossistema financeiros baseados em plataformas digitais, não hesite em nos contatar!