A disseminação de tecnologias digitais expandiu as oportunidades para intercâmbios de dados e conhecimento, bem como levou a novos desafios de governança. Câmbios digitais, tais como transações baseadas em plataformas e comunidades online, frequentemente ocorrem em grandes redes com interações numerosas e simultâneas, pressionando os mecanismos analógicos de governança, tais como contratos e normas relacionais, aos seus limites.
Para possibilitar trocas digitais em larga-escala, há hoje uma crescente dependência na governança digital, que alavanca protocolos algorítmicos para automatizar controles, coordenação, incentivos e confiança. A governança digital lida com questões fundamentais da organização, e.g., impulsionando a programabilidade de tarefas para melhorar o controle de processos, automatizando a divisão e a alocação de tarefas para facilitar coordenação, condicionando os incentivos através de insumos dinâmicos, e criando a transparência transacional requerida para confiança.
Foi pensando em todos estes aspectos, que Marvin Hanisch, Curtis M. Goldsby, Nicolai E. Fabian e Jana Oehmichen publicaram neste ano, no Journal of Business Research o artigo intitulado “Digital governance: A conceptual framework and research agenda” (Governança Digital: Um arcabouço conceitual e agenda de pesquisa). Neste artigo os autores desenvolvem um arcabouço conceitual que distingue as formas de governança analógica, aumentada e automatizada de controle, coordenação, incentivos e confiança.
Neste arcabouço os autores mostram como (1) o controle automático não depende mais do controle hierárquico, mas sim de protocolos descentralizados de checks-and-balances (pesos-e-medidas); a coordenação automática transforma acordos bilaterais em arranjos omnilaterais; 3) os incentivos transicionam de regras burocráticas para protocolos cibernéticos que se atualizam autonomamente via insumos dinâmicos; e, 4) a confiança pode ser algoritmicamente fortalecida ao mudar os atores individuais para um sistema completo. Em adição aos polos de governança analógica e automatizada, o modelo apresenta os modos de governança, os quais juntam elementos de ambos os domínios.
A distinção que os autores fazem entre governança analógica, aumentada e automatizada também informa um modelo de escolha de governança que prevê o modo ótimo de governança como uma função de transactivity (transatividade) e de custos de governança resultantes. Especificamente, eles preveem que a governança automatizada se torna mais custo-efetiva que a governança aumentada e, em última instância, que a governança analógica, à medida que a transatividade – definida como o número de contribuidores, conexões, e o nível de consistência de trocas – aumenta.
Tudo se inicia com a necessidade da governança emergindo da divisão de trabalho e da associada dissipação de informação e controle dos insumos e resultados. Ou seja, envolve criar e capturar valor através da troca no seio da competição e da assimetria de informação. O desafio da governança envolve criar mecanismos que ajudem a integrar, direcionar, e monitorar os esforços distribuídos nos relacionamentos produtivos de trocas.
Para enfrentar este desafio, os parceiros em troca devem achar maneiras para controlar processos de trocas relevantes (e.g., alocação de recursos e tarefas), resultados (e.g., geração e distribuição de valor financeiro, comportamental e social), e relacionamentos (e.g., comportamento oportunista). O design dos mecanismos de controle pode ser complementado ou substituído por coordenação apropriada, incentivos e mecanismos de confiança para atingir os benefícios desejados de governança.
Logo, a governança diz respeito amplamente ao estabelecimento de regras que ajudem a verificar insumos e resultados (i.e., mecanismos de controle), dividir e alocar tarefas (i.e., mecanismos de coordenação), alinhar interesses em competição (i.e., mecanismos de incentivo), e atenuar vulnerabilidades relacionais (i.e., mecanismos de confiança). A Figura 1 à frente sumariza estes mecanismos complementares e substitutos que são centrais na literatura de governança. A Figura 2, por seu turno, ilustra como cada um dos três modos de governança (analógica, aumentada e automatizada) se manifesta ao longo de quatro mecanismos tratados (controle, coordenação, incentivos e confiança).
Há muito mais detalhes no artigo que fundamentam o arcabouço sugerido pelos autores. Em essência, o que o trabalho dos autores revela é que a governança deixa de ter um papel secundário (como foi no paradigma analítico das empresas), para ter um papel mais preponderante na era das plataformas digitais e dos ecossistemas que se constituem no entorno de tais plataformas, bem como na arquitetura dos modelos de negócios resultantes.
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