Nos dias atuais passou a ser comum a noção de que as plataformas digitais (também conhecidas como big tech companies) estão dominando nosso cotidiano. Em paralelo, está crescendo também o entendimento que tal domínio tem efeitos controversos (ver newsletters de 11/10/2020 e 18/10/2020), fato este que proporciona apelos para intervenção nos mercados onde tais plataformas atuam.
De um lado, encontram-se aqueles que criticam as plataformas digitais, afirmando que elas se utilizam de práticas anticompetitivas, tais como: dominância estrutural, precificação predatória, alavancagem, fusões e aquisições matadoras, gatekeeping (controle de acesso), e dano político. A partir daí, defendem: a revogação do padrão do bem estar do consumidor, que governa a aplicação das leis antitruste nos EUA e na União Europeia, a quebra das empresas proprietárias dessas plataformas, a regulação das empresas big tech como se elas fossem utilidades públicas, e o encerramento das fusões e aquisições por parte dessas empresas,
No outro extremo, estão aqueles que defendem o atual padrão do bem estar do consumidor que governa a aplicação das leis antitruste. Alguns argumentos são colocados. Em primeiro lugar, quando as empresas tecnológicas entregam serviços gratuitamente aos usuários, argumenta-se que não há mercado no senso econômico padrão. Outro procedimento padrão em um caso antitruste onde o poder de mercado está em questão, é inicialmente definir o mercado relevante, para daí computar a participação no mercado do praticante.
A definição do mercado foca na substituição da demanda: identificando produtos e serviços alternativos que estejam disponíveis para compradores e limite o comportamento do vendedor. Um mercado antitruste compreende todos os produtos ou grupos de produto para os quais consumidores mudariam em resposta a um pequeno, mas significativo e não-transitório aumento no preço (SSNIP- Small but Significant and Non-transitory Increase in Price). No entanto, o padrão do teste SSNIP não funciona em mercados onde as empresas de tecnologia não aplicam preços nominais aos seus usuários.
Quem, então, está certo nessa discussão? Estariam os especialistas em antitruste e regulação errados ao verem as empresas big tech como “monopólios” que precisam ser regulados? Esta questão surge porque a narrativa da monopolização das empresas big tech, construída pelos tomadores de decisão antitruste e regulação, a imprensa, e os intelectuais públicos, mostra desvio significativo dos princípios da evidência, da razão e da ciência.
Nicolas Petit, autor do livro “Big Tech and the Digital Economy: The Moligopoly Scenario” (Big Tech e a Economia Digital: O Cenário Moligopólio), defende que há uma compreensão limitada sobre o comportamento das empresas big tech. Ele parte da noção, inicialmente sugerida pelo economista austríaco Joseph Schumpeter setenta anos atrás, sobre a possibilidade de competição sem competidores. A partir daí, Petit lança a seguinte hipótese: empresas big tech, ou talvez algumas delas, devem ser, simultaneamente, empresas monopolistas e competitivas.
A competição que elas enfrentam é uma forma de pressão. Ela se origina a partir das empresas fora dos mercados de produtos e serviços que elas servem sozinhas. Ela também se apoia em empresas, mercados e indústrias indeterminadas. A razão pela qual tomadores de decisão antitruste e regulação, bem como intelectuais públicos e scholars, não observam – e não podem esperar observar – esta competição é devido a uma questão metodológica.
Mesmo em suas análises mais refinadas, a economia aplicada às questões antitruste e de regulação se apoia em hipóteses estruturais, modelos e ferramentas que extraem inferências a partir do comportamento da empresa. Isto leva os tomadores de decisão antitruste de regulação a chegarem a resultados grosseiros de monopólios contra as empresas big tech, e a descontarem evidências de restrições competitivas fora dos mercados relevantes e da heterogeneidade ao nível da empresa.
A hipótese de Petit se apoia em várias suposições implícitas que merecem destaque. Primeiramente, ele relembra que é uma prática comum dos tomadores de decisão antitruste e regulação inferirem evidência de monopólio a partir da ausência de competidores. Esta suposição reflete a premissa de rivalidade do antitruste, de acordo com a qual não deve haver competição sem competidores. É claro, discordâncias ocorrem na academia e na prática profissional sobre os critérios que deveriam guiar a identificação do que se conta como competidores (rivais atuais ou potenciais entrantes).
Em segundo lugar, tomadores de decisão antitruste e regulação inferem prejuízos para a competição a partir da evidência de monopólio. O ponto aqui não é que antitruste e regulação condenam monopólio per se. Ao invés, o ponto é que tomadores de decisão antitruste e regulação devem inferir que uma posição de monopólio exclui um dado de competição por alguns significativos níveis, permitindo mais investigação em, e remediação de, conduta de negócio suspeita.
Terceiro, Petit assume que os tomadores de decisão antitruste e regulação – e oficiais que trabalham com eles – buscam exclusivamente maximizar o interesse público. Ele também assume que há exclusão de competição regulatória e teorias de escolha pública de comportamento de auto interesse por parte dos funcionários públicos e juízes.
Na próxima newsletter continuaremos com os fundamentos da hipótese do moligopoly (moligopólio), ou seja, a coexistência do comportamento de monopólio e de competição oligopolista por parte das empresas big tech!
Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre o que é moligopólio, não hesite em nos contatar!