Nas partes 1 e 2 desta série, anteriormente publicadas em 11/11/2024 e 18/11/2024, argumentamos que estamos ficando saturados de teorias, e teorias e modelos econômicos em particular, que já não estão ajudando muito na compreensão dos contextos que estamos vivenciando neste século XXI, e que isso pode ter muito a ver com o hiato entre tais teorias e modelos e a dinâmica das transformações nos contextos das realidades socioeconômicas de um mundo cada vez mais complexo, globalizado e integrado por redes, e agora mediado por relações tanto humanas quanto não-humanas (i.e., por algoritmos, assistentes e agentes inteligentes, processos automatizados, robôs etc.).

E para a defesa deste argumento, decidimos tomar como unidade de análise duas correntes do pensamento econômico brasileiro: ou seja, decidimos focar no debate entre aqueles que se identificam com o liberalismo neoclássico econômico e aqueles que se autointitulam como pertencentes ao campo do desenvolvimentismo econômico. Para tanto, na parte 2 desta desta série tratamos dos principais pilares do pensamento econômico relacionados com o “mainstream econômico” (aqui reconhecido como mais associado ao “liberalismo neoclássico econômico”). Nesta newsletter vamos lidar com o “desenvolvimentismo econômico”.

Se a gente se pergunta o que é “desenvolvimentismo”, as respostas mais básicas (como aquelas encontradas em repositórios universais) são as seguintes:

  1. Desenvolvimentismo é um tipo de política econômica que é baseado na meta de crescimento da produção industrial e da infraestrutura, com a participação ativa do Estado como base da economia. (1)
  2. Desenvolvimentism: A multifaceted economic ideology that aims to promote economic growth and development through a combination of state-led intervention and market mechanisms. (2)

Percebe-se, logo a partir destas duas respostas básicas, que o termo “desenvolvimentismo” não é reconhecido como uma teoria ou modelo econômicos, mas sim algo relacionado com que os economistas chamam de “Economia Normativa”, que se preocupa em analisar como a Economia “deveria ser” (através de políticas), incorporando juízos de valor, em contraste com a “Economia Positiva”, que se ocupa em dar explicações sobre “como a Economia é” na realidade.

Independente deste reconhecimento digamos “mais básico”, há uma corrente de pensamento econômico associado ao “desenvolvimentismo econômico”. Em artigo publicado no jornal Valor Econômico de 26/09/2024 (3), o Prof. Fernando Nogueira da Costa dá uma explicação sobre a existência de diferentes perspectivas do desenvolvimentismo, entre “social-desenvolvimentismo (SD)” dos economistas de esquerda pró-trabalhadores e o “novo-desenvolvimentismo (ND)” dos economistas pró-industriais.

Segundo o Professor, as “classificações “wage-led” (liderada pelos salários) e “export-led” (liderada pelas exportações) referem-se a dois tipos distintos de regimes de crescimento econômico. Não são mutuamente exclusivos. Uma condução pragmática da economia brasileira estimula a demanda doméstica e, ao mesmo tempo, explora mercados externos para maximizar o crescimento.”

E continua: “A economia com uma base de consumidores domésticos grande, como a existente em um país com 212,6 milhões habitantes, é capaz de responder positivamente ao aumento dos salários. O consumo das famílias representa uma parcela substancial do PIB: de 1995 a 2023, a média anual foi de 62,7%.

Sendo assim para o Professor: “Em um regime wage-led, o crescimento econômico não depende tanto das exportações porque a demanda interna é o principal motor do crescimento. Mesmo assim, nesse período, a exportação cresceu de 7,5% para 18,1% do PIB e a importação de 9,5% para 15,7% do PIB, ou seja, o fluxo do comércio externo dobrou de 17% para 33,9% do PIB.” Para mais informações sobre o “social-desenvolvimentismo”, ver item (4).

Já o “novo-desenvolvimentismo (ND)”, segundo o Professor, defende “... a transformação da economia brasileira em export-led, como as dos Tigres Asiáticos, embora ela esteja distante das cadeias globais de valor (CGV). Insiste nisso, apesar do Brasil ter atingido seu maior superávit comercial (US$ 98,8 bilhões), em 2023, e já acumular US$ 355 bilhões em reservas cambiais.”.

Um dos principais expoentes do “novo-desenvolvimentismo (ND)” é o Prof. Luiz Carlos Bresser-Pereira. É dele a definição de um “desenvolvimentismo clássico” e de um “novo-desenvolvimentismo” (5). Em suas palavras, o primeiro “surge no Reino Unido, nos anos 1940, na transição da Liga das Nações para as Nações Unidas, com o nome de development economics, e, na América Latina, com o nome de “estruturalismo latino-americano” porque definiu o desenvolvimento econômico como “mudança estrutural”. Eu, hoje, prefiro chamá-lo de desenvolvimentismo clássico. Foi a teoria do desenvolvimento econômico dominante entre os anos 1940 e 1960, e teve entre seus economistas, Rosenstein-Rodan, Raúl Prebisch, Arthur Lewis, Albert Hirschman e Celso Furtado. Seu objetivo era promover o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos ou periféricos, que não haviam ainda realizado sua revolução industrial e capitalista" (5).

E continua: “A principal contribuição do desenvolvimentismo clássico foi, no plano político, o entendimento do desenvolvimento econômico como resultado de uma coalizão de classes envolvendo a burguesia nacional, a burocracia pública e os trabalhadores urbanos; e, no plano econômico, foi definir o desenvolvimento econômico como “mudança estrutural”, ou seja, como industrialização que transforma as estruturas da sociedade. Essa industrialização deveria ser inicialmente substitutiva de importações, e tinha como justificativa a tese da indústria infante de Alexander Hamilton e Friedrich List” (5).

Já o “novo-desenvolvimentismo (ND)”, nas palavras do Bresser-Pereira, “... surge no início dos anos 2000 como uma reação a esse duplo populismo (o fiscal e o cambial) que estava na base do fracasso tanto de liberais quanto de desenvolvimentistas em promover o crescimento com estabilidade; surge como uma reação tanto ao populismo cambial, que a ortodoxia liberal sempre adota porque entende déficit em conta-corrente como poupança externa e aumento do investimento, quanto ao populismo fiscal e cambial, que caracteriza o desenvolvimentismo populista (que chamei inicialmente de “velho desenvolvimentismo”). Ganha corpo com o debate e a aprovação das Dez Teses sobre o novo- desenvolvimentismo.” (6).

A divulgação do “desenvolvimentismo” ganha um alento a partir de duas contribuições recentes: o livro do economista André Nassif, intitulado “Desenvolvimento e Estagnação: o debate entre os desenvolvimentistas e os liberais neoclássicos”, de 2023, e o livro de Bresser-Pereira, intitulado “Novo Desenvolvimentismo: introduzindo uma nova teoria econômica e economia política”, de 2024.

Não vamos fazer uma análise destes livros no momento, uma vez que faremos uma síntese crítica a partir da próxima newsletter, quando apresentaremos uma visão informacionista do avanço (ou progresso) socioeconômico. Mas para finalizar, vamos fazer um brevíssimo relato de mais um embate recente entre as duas vertentes do pensamento econômico tratadas nesta série.

Em 17/07/2024 o economista Edmar Bacha (um dos pais do Plano Real) publicou no jornal Valor Econômico um artigo intitulado “Por que a indústria brasileira encolheu tanto?”. Segundo o economista, a literatura econômica brasileira oferece basicamente duas explicações. No jargão dos economistas, elas têm os apelidos de desindustrialização precoce e doença holandesa (7).

Depois de fazer uma análise criteriosa sobre estas duas explicações, e descartá-las, o economista aponta que o real problema (e mais complexo) a ser desvendado não seria porque a parcela da indústria do PIB caiu, mas sim porque a produtividade da indústria desabou. Uma hipótese que ele lança, ao observar que ao tempo em que a produtividade da indústria caiu a produtividade da agricultura cresceu, é que parte da resposta estaria no mercado em que uma e outra miraram. A agricultura mirou o mercado internacional e hoje concorre com sucesso com as potências agrícolas mundiais. Já a indústria continua a mirar o próprio umbigo, ou seja, limita-se a vender com preços surreais seus produtos quase que exclusivamente para o mercado interno (7).

Em 02/09/2024 Bresser-Pereira (em coautoria com Tiago Porto) publicou no Valor Econômico o artigo intitulado “Abrir mais uma porta já escancarada?” (8), onde os autores criticam o artigo do Edmar Bacha acima referido. Depois de criticarem o descarte, pelo Edmar Bacha, da hipótese da doença holandesa como explicação para a desindustrialização brasileira, criticam ainda a sugestão de que o encolhimento da indústria brasileira seria a queda de sua produtividade. Para eles, a produtividade da indústria caiu porque ela não teve condições de investir e, portanto, não modernizou sua produção (argumento que não é aprofundado)(9).

Em resumo, mais um embate entre as duas vertentes do pensamento econômico brasileiro! Na próxima newsletter vamos colocar nossa leitura pela qual não desejamos mais nem liberalismo nem desenvolvimentismo, e vamos avançar nossa visão informacionista de como imaginamos o avanço (ou progresso) socioeconômico!

Se sua empresa, organização ou instituição deseja saber mais sobre uma visão informacionista do avanço (ou progresso) socioeconômico, não hesite em nos contatar!

  1. https://pt.wikipedia.org/wiki/Desenvolvimentismo
  2. Informações obtidas pelo assistente inteligente LEO, do browser Brave.
  3. https://valor.globo.com/opiniao/coluna/social-desenvolvimentismo-x-novo-desenvolvimentismo.ghtml
  4. https://www.politize.com.br/social-desenvolvimentismo
  5. Bresser-Pereira, L. C. (2016). “Teoria Novo-Desenvolvimentista: Uma Síntese”. CADERNOS do DESENVOLVIMENTO, Rio de Janeiro, v. 11, n. 19, pp.145-165, jul.-dez.
  6. (6) Dez Teses sobre o “novo-desenvolvimentismo (ND)”, São Paulo, Maio de 2010: http://www.scielo.br/pdf/rep/v32n2/v32n2a11.pdf
  7. https://valor.globo.com/eu-e/artigo/edmar-bacha-por-que-a-industria-brasileira-encolheu-tanto.ghtml 
  8. https://valor.globo.com/opiniao/coluna/abrir-mais-uma-porta-ja-escancarada.ghtml 
  9. Para uma análise recente, pelo mainstream economics (ME), em contraste com esta visão dos "desenvolvimentistas", de como a indústria não tem mais capacidade de prover crescimento inclusivo, ver: Lawrence, Robert (2024). "Behind the Curve: Can Manufacturing Still Provide Inclusive Growth?", Peterson Institute for International Economics.